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"O QUINZE"/"MEMORIAL DE MARIA MOURA"
Reedições apontam direções distintas de Rachel de Queiroz
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
A boa filha à casa torna. A José Olympio readquiriu o copirraite de uma de suas escritoras
mais ilustres, a cearense Rachel de
Queiroz (1910-2003), já lançando
o primeiro e o último romances
da autora: "O Quinze" (1930) e
"Memorial de Maria Moura"
(1992).
O alfa e o ômega, por assim dizer, da carreira de Rachel, apontam direções artísticas bastante
distintas. Quando publicou "O
Quinze", a escritora, que mal tinha completado 20 anos, teve de
assumir os custos da edição.
Essa obra enxuta, porém, ajudou a firmar a corrente de romances regionalistas, de linhagem
nordestina. Centra-se na grande
seca que abalou o sertão, em 1915
(daí o título). Temos duas histórias paralelas: a trajetória da família de Chico Bento, forçada a emigrar; e o hesitante flerte entre dois
jovens herdeiros, a professora
Conceição e seu primo Vicente.
O caudaloso "Memorial" ancora igualmente em tramas paralelas, que se entrelaçam. As principais: a narrativa da transformação
de Maria Moura, de "sinhazinha"
a chefe de quadrilha no século 19;
e a história do padre José Maria,
que se vê obrigado a foragir-se depois de matar marido de mulher
que ele engravidou.
Já Moura não mata. Convence
os outros a matar por ela. Se a pequena lady Macbeth do agreste
não é flor que se cheire, Conceição
também manifesta preconceito.
Quando desconfia da traição de
Vicente com a filha de um capataz, a donzela, tomada pelo despeito, despeja tolices racistas.
Nos dois casos percebe-se a perversa marca patriarcal de que ambas procuram escapar. As moças
também vivem num estado de
suspensão da ordem capitalista:
Maria, pela opção ao banditismo;
e Conceição, por circunstâncias
impostas pela seca. Na seca, volta
o escambo. Além disso, quando
argumentam com Vicente, que
tenta salvar o gado a despeito de
toda perspectiva de lucro, o rapaz
retruca que sua atividade agora
não passa de mero "capricho".
Mais do que capricho: uma
questão de honra. É o oposto do
que faz a patroa de Chico Bento,
que manda soltar o gado e dispensar os empregados. Embora não
haja verdadeiros vilões, além da
seca, em "O Quinze", a atitude da
fazendeira revela-se aziaga.
A esterilidade da natureza reflete o comportamento bicudo do
casal de protagonistas, para quem
um pequeno mal-entendido pode
significar um grande obstáculo. A
falta de comunicação espelha, na
esfera do relacionamento, a falta
d'água, que mata vegetação, animália e gente.
Sem maiores pretensões no plano da ação (linear) e no aprofundamento psicológico (mínimo),
"O Quinze" tem o mérito de aderir à prosa vigorosa do romance
brasileiro dos anos de 1930 e 1940.
O Quinze
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 23 (160 págs.)
Memorial de Maria Moura
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 58 (496 págs.)
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