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MÚSICA
Mineiro improvisa no gênero amanhã e quarta, em SP, em apresentações em que também se arrisca no contrabaixo
Milton mostra sua intimidade com o jazz
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Prefiro chamar de liberdade
musical do que de jazzística", observa Milton Nascimento sobre o
show que apresenta amanhã e na
quarta-feira no Bourbon Street,
em São Paulo, dentro do mesmo
projeto que botou Sandy para
cantar jazz, em maio do ano passado. "O que a gente vai tocar não
é americano, é brasileiro", continua ele. "Todos os músicos da
banda são ótimos improvisadores
e vão poder demonstrar."
Por telefone, do Rio, ele contou
à Folha que, ao receber o convite
para o show, ficou surpreso. "Geralmente aqui no Brasil a gente
não tem a oportunidade de fazer
coisas diferentes, tem que tocar
sempre os mesmos arranjos porque o pessoal quer cantar junto.
Nesse show, a idéia é poder fazer
mesmo as músicas conhecidas de
maneira diferente."
Músico denso, cantor único, autor de harmonias complexas e admirado por cantores e instrumentistas de jazz de todo o mundo,
Milton é o principal expoente da
particularidade da música de Minas Gerais -que nasce, segundo
ele, da mistura da rica tradição
das harmonias com as influências
diferentes recebidas pelo Estado.
A própria formação de sua banda, ele conta, já é essencialmente
jazzística -ou livre musicalmente. "Por viajar muito, em cada lugar a gente sente como vai se
apresentar, vai inventando. Em
cada show fazemos de um jeito,
nunca é definitiva a maneira de
tocar. Então, se tem uma diferença nos arranjos, é natural."
Fã de Charles Mingus e de John
Coltrane, Milton explicou que sua
relação com o jazz vem desde os
primórdios de sua relação com a
música. "Antes de morar em Belo
Horizonte, eu não ouvia jazz, mas
tinha um contato prático com o
estilo. Eu tocava contrabaixo em
bandas de baile na cidade de Três
Pontas, onde cresci, e a gente improvisava, mas não sabia exatamente o que estava fazendo. Só
depois, em BH, tive contato com
músicos de jazz e entendi aquilo."
No show do Bourbon, o cantor
planejou também momento instrumental em que assumirá o
contrabaixo. Será em duas músicas: uma composição de Dave
Brubeck e um "canto de trabalho"
do Mississippi. Acompanhando
Milton, a banda é formada por
guitarra (Wilson Lopes), contrabaixo (Gastão Villeroy), bateria
(Lincoln Cheib), piano/teclado
(Kiko Continentino), percussão
(Marco Lobo), saxofone e flauta
(Widor Santiago).
Em seus próprios álbuns, o cantor já cooptou a participação de
músicos como Herbie Hancock e
Pat Metheny e, em um de seus
momentos mais efetivamente
próximos do jazz, gravou um disco ao lado do saxofonista Wayne
Shorter, em 1975.
Mas ele conta que seu grande
ídolo dentro do universo do jazz
-e de toda a música- era o
trompetista Miles Davis: "Ele foi o
primeiro cara no jazz que me deixou de quatro; eu gostava de tudo
o que ele fazia. Na primeira vez
que ouvi, me lembro de ter falado:
"Isso não é um cara tocando trompete, sou eu cantando". E quanto
mais eu o ouvia, mais eu achava a
identificação entre nós. Tive muitas aventuras com o Miles durante a minha vida. Toquei com ele
em turnês, abrindo seus shows,
por vários anos seguidos".
Um dos maiores ícones do jazz,
músico tão genial quanto iconoclasta, Miles Davis era, também
na vida pessoal, notório e lendário
excêntrico. Milton, que esteve tão
próximo, lembra que a lenda extravasava a realidade.
"A gente não tinha uma relação,
a gente não conversava", explica
ele. "Ele me chamava para abrir os
shows e dizia em entrevistas que
admirava um "crioulinho do Brasil que tocava violão", mas não tocava nem falava comigo porque
tinha ciúme doentio de eu ter gravado com o Wayne Shorter, que
havia sido músico da banda dele.
Ele nunca quis gravar comigo de
raiva, uma coisa totalmente maluca. Mas nunca me importei. A
gente tocava e era muito bem recebido. Depois ele tocava e era lindo. Para mim, só importava a música que Deus mandava, e para
mim Deus era Miles Davis."
Milton, que sempre esteve próximo do jazz, mostra toda a proximidade para quem quiser ver. E
tiver R$ 200 para pagar a entrada,
é claro.
(RONALDO EVANGELISTA)
Milton Nascimento
Quando: amanhã e quarta, às 22h
Onde: Bourbon Street (r. dos Chanés,
127, SP, tel. 0/xx/11/5095-6100)
Quanto: R$ 225
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