São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2005

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CDS

ROCK/"SANGUEAUDIÊNCIA"

Álbum tem Manu Chao, Marisa Monte e BNegão

Com F.UR.T.O., Yuka comete disco-denúcia, mas não só

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Corrupção , balas perdidas (e nem tanto), desigualdades mil. Ao contrário do que cantam por aí, o Brasil não tem graça. E é nesse cenário sombrio, contraditório e perigoso que Marcelo Yuka apresenta o seu F.UR.T.O.
Sigla para Frente Urbana de Trabalhos Organizados, entidade fundada pelo próprio com foco no ativismo social e artístico, seu braço musical tem ainda Maurício Pacheco (ex-Mulheres que Dizem Sim), na guitarra e voz, e os percussionistas Garnizé e Jamilson da Silva. Primeiro produto: "SangueAudiência", lançado neste mês pela Sony.
Conhecido como a alma lírica do Rappa, de quem se afastou -ou foi afastado- após o incidente que, cinco anos atrás, o colocou em uma cadeira de rodas, Yuka volta à carga com letras ainda mais politizadas, levantando bandeiras do MST, dos movimentos feministas, das comunidades dos morros do Rio e das pesquisas com células-tronco.
Com produção de Chico Neves, Berna Ceppas e da própria banda, em que Yuka toca baixo e bateria programados e em que, inevitavelmente, Pacheco muitas vezes ainda soa como Falcão ao cantar, "SangueAudiência" é um disco-denúncia, mas não só. No lugar do revanchismo e dos modos gangsta de certo hip hop, prega o "terrorismo cultural". "Não existe enredo do inferno que tire a minha emoção", diz Yuka na autobiográfica -e qual não é?- "Flores nas Encostas do Cimento".
Em meio a pedradas movidas a dub e eletrônica, sobram críticas para o "consumo siliconizado", os latifundiários de "Verbos à Flor da Pele", que acompanha discurso de João Pedro Stédile, e as fronteiras da globalização da contundente "Desterro", dividida com Marisa Monte.
Ainda assim, apesar do caráter engajado -os céticos diriam panfletário-, "SangueAudiência" guarda respiros saudáveis como a benjoriana-século 21 "Coisas Tão Simples", um manifesto à (afro)brasilidade: "Os tambores vão falar e rezar e brincar / construindo a identidade / que meu pai me passou".
De mesmo modo, o "cheiro de pneu queimado" em "Gente de Lá", com participação de BNegão, não abafa o agogô de "Paradoxo", em que canta "a maioria de nós como povo ainda possui poucas virtudes para o mau" (sic).
Porém, como foi dito lá em cima, o F.UR.T.O. não parece interessado em anistiar o passado/ presente e tocar a bola adiante.
De "Todos Debaixo do Mesmo Sombreiro", dobradinha com Manu Chao que trata dos desaparecidos políticos das ditaduras latino-americanas, a "Não se Preocupe Comigo", sobre desaparecidos que continuam a desaparecer ainda, "SangueAudiência" é a trilha sonora do Brasil dos militares, das CPIs e dos "mensalões".
Ou vai dizer que você não viu esse "filme", tipo ontem?
"Perderam o governo, mas ainda seguram seus trunfos / Quando cair, delete o meu nome dos seus computadores (...) Tráfico de influência, tráfico de vaidade, tráfico pra ocupar o melhor lugar na corte / Bem-vindo à Ego City." Bem-vindo ao Brasil.


SangueAudiência
   
Artista: F.UR.T.O.
Lançamento: Sony Music
Quanto: R$ 35, em média


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