|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MPB/"01 BYTE 10 CORDAS"
Loucuras de um bandolim sozinho
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Para quem nunca ouviu Hamilton de Holanda, um disco
inteiro de bandolim solo pode parecer loucura. E é uma loucura,
mesmo, no sentido extravagantemente positivo da palavra. Mal
chegado aos 29 anos, Hamilton
fez o disco que tem tudo para consagrá-lo como um dos maiores,
senão o maior bandolinista em
atividade, não só no Brasil.
Fora daqui, aliás, essa avaliação
já vai se tornando habitual (a julgar, por exemplo, pelos jornais
franceses); e seu show marcado
para a próxima Flip, julho em Parati, pode ser uma ocasião para
que a arte de Hamilton ganhe a
grande audiência que merece.
Desde Jacob do Bandolim (1918-69) não se via um fenômeno parecido -muito embora, sem paradoxo, ele talvez seja "o primeiro
bandolinista da nova geração a
desgrudar-se" da marca direta de
Jacob, como escreve Hermínio
Bello de Carvalho, no encarte.
Tocando com duas cordas a
mais do que os tradicionais quatro pares, Hamilton faz do instrumento uma eletrizante novidade,
em que os timbres mais diversos
se cruzam. Melodia e acompanhamento: parece óbvio, mas tente fazer as duas coisas num bandolim. Palhetadas velocíssimas,
num suingue de dar inveja a Baden Powell (1937-2000), alternam-se com melodias de notas
pingadas, ou tremoladas, ou ainda com torrentes de escalas e frases bachianas, que compõem,
com os arpejos, outro plano virtuosístico desses oito choros,
sambas, valsas e canções.
Baden, por sinal, é homenageado na faixa-título, "01 Byte 10 Cordas", onde os tons rasgados do
bandolim atualizam 1.001 negaceios rítmicos dos afro-sambas. Já
a velocíssima valsa "Pedra Sabão"
conversa com a "Desvairada" de
outro grande violonista, Garoto
(1915-55). E prestam-se honras
ainda a um terceiro deus, Raphael
Rabello (1962-95), na introdução
de "Rancho Fundo" (Ary Barroso/Lamartine Babo).
Referências assim não são casuais. À maneira que vai se tornando característica deste nosso
momento, o disco é uma pequena
antologia dialogada da música
brasileira, pondo lado a lado clássicos como "Ainda me Recordo"
(Pixinguinha/B. Lacerda) e "Disparada" (Geraldo Vandré/ Theo
de Barros) e obras do próprio Hamilton, incluindo duas lindas peças lentas, "O Sonho" (balada para a filha que vai nascer) e "Flor da
Vida" (valsa esponsal).
A última faixa abre mais o leque,
com "Adiós Nonino" (Piazzolla/
Coulonges), em que participa outro virtuose da nova geração, o
gaitista Gabriel Grossi -parceiro
de Hamilton no quarteto que
acompanha Zélia Duncan em
shows e no CD "Eu me Transformo em Outras" (2004). São dois
Robinhos em campo; e a atuação
deles compensa até o desgaste do
superinterpretado Piazzolla.
Um disco de bandolim solo pode parecer loucura. Mas a primeira faixa nos joga de pronto num
outro domínio da vida. E, ao fim,
parece o contrário: loucura é tudo
o que não for música, loucura é o
resto, loucura é justamente o que
não tem vez na sabedoria suprema do bandolim de Hamilton de
Holanda.
01 Byte 10 Cordas
Artista: Hamilton de Holanda
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 22, em média
Texto Anterior: Pop/"Laranjas do Céu": Darma Lóvers une budismo e arte Próximo Texto: Nas lojas Índice
|