São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2005

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MPB/"01 BYTE 10 CORDAS"

Loucuras de um bandolim sozinho

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Para quem nunca ouviu Hamilton de Holanda, um disco inteiro de bandolim solo pode parecer loucura. E é uma loucura, mesmo, no sentido extravagantemente positivo da palavra. Mal chegado aos 29 anos, Hamilton fez o disco que tem tudo para consagrá-lo como um dos maiores, senão o maior bandolinista em atividade, não só no Brasil.
Fora daqui, aliás, essa avaliação já vai se tornando habitual (a julgar, por exemplo, pelos jornais franceses); e seu show marcado para a próxima Flip, julho em Parati, pode ser uma ocasião para que a arte de Hamilton ganhe a grande audiência que merece. Desde Jacob do Bandolim (1918-69) não se via um fenômeno parecido -muito embora, sem paradoxo, ele talvez seja "o primeiro bandolinista da nova geração a desgrudar-se" da marca direta de Jacob, como escreve Hermínio Bello de Carvalho, no encarte.
Tocando com duas cordas a mais do que os tradicionais quatro pares, Hamilton faz do instrumento uma eletrizante novidade, em que os timbres mais diversos se cruzam. Melodia e acompanhamento: parece óbvio, mas tente fazer as duas coisas num bandolim. Palhetadas velocíssimas, num suingue de dar inveja a Baden Powell (1937-2000), alternam-se com melodias de notas pingadas, ou tremoladas, ou ainda com torrentes de escalas e frases bachianas, que compõem, com os arpejos, outro plano virtuosístico desses oito choros, sambas, valsas e canções.
Baden, por sinal, é homenageado na faixa-título, "01 Byte 10 Cordas", onde os tons rasgados do bandolim atualizam 1.001 negaceios rítmicos dos afro-sambas. Já a velocíssima valsa "Pedra Sabão" conversa com a "Desvairada" de outro grande violonista, Garoto (1915-55). E prestam-se honras ainda a um terceiro deus, Raphael Rabello (1962-95), na introdução de "Rancho Fundo" (Ary Barroso/Lamartine Babo).
Referências assim não são casuais. À maneira que vai se tornando característica deste nosso momento, o disco é uma pequena antologia dialogada da música brasileira, pondo lado a lado clássicos como "Ainda me Recordo" (Pixinguinha/B. Lacerda) e "Disparada" (Geraldo Vandré/ Theo de Barros) e obras do próprio Hamilton, incluindo duas lindas peças lentas, "O Sonho" (balada para a filha que vai nascer) e "Flor da Vida" (valsa esponsal).
A última faixa abre mais o leque, com "Adiós Nonino" (Piazzolla/ Coulonges), em que participa outro virtuose da nova geração, o gaitista Gabriel Grossi -parceiro de Hamilton no quarteto que acompanha Zélia Duncan em shows e no CD "Eu me Transformo em Outras" (2004). São dois Robinhos em campo; e a atuação deles compensa até o desgaste do superinterpretado Piazzolla.
Um disco de bandolim solo pode parecer loucura. Mas a primeira faixa nos joga de pronto num outro domínio da vida. E, ao fim, parece o contrário: loucura é tudo o que não for música, loucura é o resto, loucura é justamente o que não tem vez na sabedoria suprema do bandolim de Hamilton de Holanda.


01 Byte 10 Cordas
    
Artista: Hamilton de Holanda
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 22, em média


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