São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2005

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CRÍTICA

Comédia de ação à la James Bond tropeça no marketing

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Filme sobre as agruras de um casamento, "Sr. e Sra. Smith", de Doug Liman (de "A Identidade Bourne"), é o casamento de dois estilos de blockbuster: a ação "à la James Bond" e a comédia de costumes, o que cria uma ressonância curiosa. Enquanto na tela marido e mulher brigam sem parar, os gêneros, que na cartilha do marketing correspondem a públicos-alvos específicos (masculino para a ação, feminino para a comédia de costumes), também disputam espaço, trocam farpas e reproduzem a convivência nada harmoniosa dos protagonistas. Sem que o final seja lá muito feliz.
A impossibilidade de conhecer o outro, mesmo quando esse outro é a pessoa mais próxima, ganha aqui sua metáfora mais barulhenta. John (Brad Pitt) e Jane Smith (Angelina Jolie) estão casados há cinco anos (ou seis, como ela insiste), mas não conhecem suas verdadeiras identidades. Cada um trabalha como assassino e esconde isso do outro, o que só será desvelado depois que recebem o mesmo alvo como missão.
A inevitável missão seguinte será o extermínio recíproco, pretexto para que a guerra de nervos vivida em casa se torne uma guerra literal e particular. Marido e mulher, no caso, dispõem de um arsenal mais poderoso que o de Exércitos inteiros. Mas a explosão da violência, salvadora da pátria, vai reacender o desejo do casal.
Sexo e violência sempre formaram uma ótima combinação, "são como ovos e bacon", disse David Cronenberg no último Festival de Cannes depois de apresentar seu "O Anjo da Morte". A diferença é que, em "Sr. e Sra. Smith", a violência é condição aparentemente exclusiva para a eclosão do desejo.
Para Cronenberg, ao contrário, quando a violência aflora, contamina todos os aspectos da relação familiar (inclusive o sexual). Mas em "Sr. e Sra. Smith" essa relação é puramente esquemática e politicamente complicada, como se a violência fosse uma forma justificável de intervenção capaz de corrigir os defeitos do mundo (inclusive relacionamentos em crise!).
Outro aspecto incômodo de "Sr. e Sra. Smith" é que ele deixa transparecer o tempo todo o subtexto do projeto de marketing que o gerou. O teor pré-fabricado não seria problema se houvesse riqueza de proposta e o resultado final gerasse sentido. Mas o pressuposto básico nunca é desenvolvido além de sua função formulaica, com lacunas a serem preenchidas por situações repetitivas e uma ou outra piada. Outros filmes bem menos ambiciosos, de "Amor à Queima-Roupa", de Tony Scott, a "Guerra dos Roses", de Danny DeVito, apresentam visões bem mais divertidas para o tema.


Sr. e Sra. Smith
Mr. and Mrs. Smith

  

Direção: Doug Liman
Produção: EUA, 2005
Com: Brad Pitt, Angelina Jolie
Quando: a partir de hoje nos cines Butantã, Interlagos, Lapa e circuito


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