|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GUILHERME WISNIK
Multiplicação sem promessa
"Proletariado informal" atraído pela religião é novidade em modelo urbanístico contemporâneo
AS MEGALÓPOLES e conurbações são fenômenos conhecidos do processo de crescimento urbano das últimas décadas,
e, de certa forma, já previstos há algum tempo. Tóquio, por exemplo,
ao ultrapassar a marca de 20 milhões de habitantes há dez anos, já
abrigava uma população equivalente à do planeta inteiro na época da
Revolução Francesa. Dados como
esse são impressionantes e integram o estudo Planeta de Favelas,
do urbanista e pesquisador americano Mike Davis, comentado aqui na
semana passada.
Contudo, observa Davis, há componentes da situação contemporânea que destoam das previsões clássicas, e que, portanto, são fenômenos novos. Um deles é o fato de que o
maior crescimento populacional
atual e futuro ocorre em cidades médias e não mais em metrópoles gigantescas no estilo "supernova". É
que a atual "urbanização sem desenvolvimento" não é mais atraída pela
oferta de empregos em centros industriais tradicionais. Com as políticas impostas pelo FMI de suspensão
dos subsídios aos produtores rurais,
expostos assim ao mercado global
de commodities dominado pelo
agronegócio, houve uma migração
forçada do campo para as cidades,
apesar da queda da oferta de emprego nestas, e do crescimento negativo
das suas economias.
Surgem, assim, cidades inteiramente favelizadas e dominadas pelo
trabalho informal, constituindo um
"proletariado informal" que, segundo Davis, é "a classe social de crescimento mais rápido e sem precedentes da Terra". A novidade interpretativa, no caso, está no deslocamento da análise marxista de evolução
histórica, segundo a qual o crescimento urbano mundial seguiria os
passos industrializantes de Manchester ou Chicago. Aquele modelo,
que foi válido ainda para São Paulo,
não dá conta do que ocorre hoje em
Lima (Peru), Kinshasa (Congo) ou
Daca (Bangladesh), por exemplo.
Esse "proletariado informal", não
previsto pelo marxismo, não constitui um exército de reserva pronto a
ser incorporado pelo mercado de
trabalho. Por isso a favela, de acordo
com Davis, "desafia a teoria social a
perceber a novidade de um verdadeiro resíduo global sem o poder
econômico estratégico da mão-de-obra socializada, mas maciçamente
concentrado num mundo de barracos em torno dos enclaves fortificados dos ricos urbanos".
Em tal contexto, Marx cedeu o
palco histórico a Maomé e Jesus
Cristo. Pois se a urbanização moderna laicizou a classe trabalhadora, a
favelização pós-industrial recolocou
Deus no centro dos acontecimentos,
com o crescimento do islamismo
populista e do cristianismo pentecostal. Sendo que este último, infinitamente mais recente, cresceu no
solo da favela como reação a essa urbanização explosiva, constituindo
"o maior movimento auto-organizado dos pobres urbanos do planeta".
Contudo, trata-se de uma organização sem perspectiva de emancipação terrena. Sua premissa básica é
desencantada e regressiva, embora
realista: o mundo urbano é corrupto
e impossível de reformar. No horizonte, nenhuma promessa de revolução. Apenas resignação.
Texto Anterior: Acanhada e charmosa, cantora une humor e insegurança em show intimista Próximo Texto: Caçula de Tom grava "Wave" para novela Índice
|