da Reportagem Local

Matheus Nachtergaele, 29, foi Jó no conhecido "O Livro de Jó". Foi chamado para Treplev, jovem artista que se rebela contra a mãe, em parte por espelhar o personagem. E fez dos ensaios um "laboratório" para o papel. "O Treplev se parece comigo", diz. (NS)

Folha - O ator de "Jó" se colocou muito em Treplev?
Matheus Nachtergaele - Esse processo que a gente viveu nos ensaios tem uma característica que talvez seja a que eu mais usei no Treplev, que é a semelhança entre ator e personagem. Eu venho de um espetáculo feito num hospital, de experimentação, com um grupo, uma radicalidade juvenil. E procurei sentir qual era o embate com essa nova experiência, que é o texto de um dramaturgo que é um clássico. Pela primeira vez era um personagem que eu não estava construindo junto com o dramaturgo.
Toda essa novidade é o que acontece com o Treplev. O Treplev se parece comigo, quando eu sou o Jó, e também se parece comigo conforme ele vai sendo levado a interagir com a realidade. Quer dizer, tem um momento em que ele começa a publicar seus textos, tem um momento em que ele começa a duvidar dele, a falar: "Será que todo aquele fogo valia para alguma coisa, o que eu tenho de verdade?".
Folha - E o conflito com a Arkádina?
Nachtergaele - O conflito com eles todos. Foi um encontro de seis teatros. Eu sempre costumo fazer muitos laboratórios. Gosto de fazer. Se eu vou fazer o Jó, eu vou aos moribundos. Com o Treplev, não. Eu achei que era importante ficar na sala de ensaio, com esses outros cinco teatros.
Folha - Já era o laboratório.
Nachtergaele - Já era. Foi a experiência que eu vivi e que eu espero ter conseguido colocar no Treplev. Quer dizer, conseguir existir no meio dessas pessoas.
Folha - O Treplev é o espelho de Hamlet nessa peça. Você chegou a estudar algo de Hamlet para o Treplev? Ele não é um primeiro passo seu para o Hamlet, como foi para Marco Ricca?
Nachtergaele - Eu fiquei pensando nisso: "Será que o Treplev vai naturalmente me levar ao Hamlet?". Ontem uma amiga me falou: "Agora você faz o Hamlet". Eu não sei. Eu acho que o Jó foi um primeiro passo, o Treplev foi o segundo e talvez eu venha a fazer o Hamlet. Mas não tenho a necessidade de fazer o Hamlet. E eu não fui logo para o Hamlet para dele extrair coisas.
Nos últimos 15 dias de ensaio, eu falei: "Agora eu vou ter que ler "Hamlet' com seriedade".
Folha - Porque alguma coisa tem.
Nachtergaele - E realmente eram personagens primos, personagens muito parecidos. Mas eu nunca pensei em fazer Hamlet. Apesar de, em algum lugar, todo ator quando jovem sempre pensar em fazer o Hamlet. E, depois de uma certa idade, dizer: "Pô, não fiz".



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