São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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MÚSICA/CRÍTICA

Músico britânico abriu o festival paulista acompanhado por orquestra, Arto Lindsay e Dani Siciliano

Choque de Herbert e banda leva mágica ao Sonar

GUILHERME WERNECK
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Foi uma noite de mágica e de felizes acidentes a abertura do sonarsound, com a apresentação da Matthew Herbert Big Band, anteontem em São Paulo, no Teatro Abril.
Mágica pela performance bem humorada de Herbert e da banda, pelas mudanças de clima a cada nova canção, como se cada uma das faixas mostradas tivesse uma personalidade única que necessitasse de uma encenação quase coreográfica. E pelas sucessões de truques visuais, que podiam ser tanto vídeos, chuva de papel picado, o uso de cópias da edição de anteontem do jornal norte-americano "USA Today" ou o espocar de flashes de máquinas fotográficas, que, além de complemento visual, se transformavam em matéria-prima para as manipulações sonoras de Herbert.
Os felizes acidentes eram o choque das intervenções de Herbert sobre o som da banda, composta por uma seção rítmica clássica, com piano, baixo e bateria, mais cinco saxofones, quatro trompetes e quatro trombones, que foi regida por Pete Wraight, o responsável pelos arranjos do único disco da MHBB, "Goodbye Swingtime".
Herbert abriu o show sozinho. Entrou no palco carregando uma xícara e um pires. Bateu um no outro, sampleou o som e começou a introdução de "Turning Pages" enquanto a orquestra se posicionava e começava a tocar, com Herbert primeiro interferindo no som, aumentando e abaixando determinadas seções da banda, criando loops e choques entre o som produzido ao vivo e aquele manipulado no seu computador.
Era uma espécie de aquecimento, uma deixa para os ouvidos da platéia se acostumarem ao som que variava entre a clareza dos arranjos e as intervenções que às vezes produziam cacofonia e dissonâncias.
Depois de duas músicas só com a orquestra, Herbert chamou ao palco sua mulher, Dani Siciliano, para cantar a política "Simple Mind". Num jogo provocativo, distribuiu fotocópias da edição do dia do jornal "USA Today" para cada um dos membros da banda, que começaram a picar a página em pedaços e a fazer guerra de papel, enquanto Dani cantava lindamente a letra que, no refrão, dizia: "Você pode estar certo/ Que eu não poderia estar mais do que pronta/ Para simplesmente ser/ Diferente dessa hipocrisia".
No telão, um vídeo mostrava páginas do jornal inglês "Daily Mail", brincando primeiro com a imagem de Margaret Thatcher e depois com a imagem de Tony Blair.
O primeiro-ministro britânico foi o grande alvo da noite. Enquanto nesse vídeo aparecia com um recorte de jornal em que se lia "irresponsável, sim" saindo de sua boca, como se ele estivesse mostrando a língua, mais tarde, na apresentação da música "Misprints", outro vídeo o mostrava com cara aparvalhada, à la George W. Bush, e colocava uma boca, provavelmente a de Herbert, sobre a de Blair para dublar a letra, também cantada por Dani, em que um recorrente "não ouço a ficha cair" deixava a situação ainda mais engraçada.
A outra participação especial da noite foi a do brasileiro-americano Arto Lindsay, que cantou "Fiction", parceria sua com Herbert. Lindsay, que se apresenta hoje no sonar, é um mestre da música imprevisível e se mostrou totalmente à vontade num duelo com Herbert, dando deixas vocais perfeitas para que o líder da banda brincasse com o seu canto. Voltou no fim do show para cantar um dueto com Dani Siciliano.
Herbert, contudo, deu um show à parte. Tocou acordeom, sampleou máquinas fotográficas, bexigas esvaziando, foi brilhante em suas desconstruções do som da orquestra, que tocou com muito mais intensidade do que em "Goodbye Swingtime". Um show difícil de esquecer.


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