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FESTIVAL DE VENEZA
Aclamado pela imprensa no Lido, "O Jardineiro Fiel" aborda o uso de "cobaias" no continente africano
Meirelles quer debater indústria de remédios
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A VENEZA
Veneza foi só aplausos para "O
Jardineiro Fiel", filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles,
que compete pelo Leão de Ouro.
O vencedor do festival será conhecido nesta noite no Lido. O filme foi longamente aplaudido na
sessão para a imprensa, na noite
de anteontem. Os aplausos (de
jornalistas e críticos) se repetiram
ontem, quando o diretor e os atores Rachel Weisz e Ralph Fiennes
chegaram para a entrevista coletiva organizada pelo festival.
A sala, de aproximadamente
400 lugares, estava tomada. E foi
um sorridente e bem-humorado
Meirelles quem respondeu às perguntas. No entanto, o diretor disse à Folha, na última quinta, que
sentiu falta de um adjetivo na avalanche de boas críticas que seu filme vem recebendo nos Estados
Unidos, onde está em cartaz desde o último dia 31.
"Tudo que eu queria é que alguém na platéia das pré-estréias
norte-americanas tivesse se levantado e dito: "Isto é uma merda"." Por que almejou a desaprovação ao filme? "Para criar o debate", afirma.
Debate sobre o tema de fundo
do longa, baseado no romance
homônimo do autor inglês John
Le Carré -as práticas da industria farmacêutica de uso das populações africanas como cobaias
em testes de medicamentos, a colaboração dos governos do Primeiro Mundo nesse esquema e a
falta de acesso dos africanos aos
medicamentos de eficiência já
comprovada, por seus preços
proibitivos para o continente.
"Às vezes parávamos para almoçar durante as filmagens (em
Nairobi e Kibera, no Quênia). Eu
olhava para aquela multidão na
minha frente e pensava que 80%
deles têm Aids. Como isso pode
ter acontecido com o continente
africano nos últimos 25 anos?",
afirma.
As condições de vida da população queniana, sobretudo em zonas pobres como Kibera, "que
nem aparece no mapa", diz a atriz
Rachel Weisz, foram impressionantes para ela, mas não a ponto
de ter pena dos africanos.
"Ficamos todos comovidos.
Aquilo é entristecedor em muitos
aspectos, mas também encontramos um clima tão vívido, pessoas
com tal disposição para a vida,
que não dá para sentir pena",
acrescentou o diretor.
Herói
A história de amor entre os personagens de Weisz e Fiennes só se
transformou "no eixo da história,
deixando em segundo plano o
thriller político", durante a montagem do filme, segundo contou
Meirelles.
Antes disso, ele não havia decidido que aspecto prevaleceria na
narrativa. Mas o que atraiu Fiennes para o projeto foi o fato de
Justin Quayle, seu personagem,
não ser um herói romântico comum.
"Ele sente muita raiva, não apenas dor pela morte de sua mulher.
Eu quis interpretar esse homem
que parte numa cruzada pessoal",
disse.
Fiennes é o personagem-título
Justin Quayle, um diplomata designado para a chancelaria inglesa
no Quênia, cuja mulher, Tessa
(Weisz), é assassinada em razão
de seu ativismo. Descobrir a trama -de lobby comercial da industria farmacêutica e conivência
governamental- que levou à
morte de Tessa transforma-se
num objetivo que leva Quayle às
conseqüências mais definitivas.
"Não fui eu que convidei Fiennes, ele é que aprovou meu nome", diz Meirelles.
O diretor brasileiro foi contratado pelo estúdio inglês Focus para
dirigir "O Jardineiro Fiel" em
substituição a Mike Newell, que
abriu mão do projeto para filmar
"Harry Potter e o Cálice de Fogo".
Quanto ao futuro da própria
carreira, Meirelles planeja, depois
de "O Jardineiro Fiel", voltar a um
projeto brasileiro. O roteiro de
"Intolerância" vem sendo desenvolvido no Brasil por Bráulio
Mantovani, indicado ao Oscar pelo roteiro adaptado de "Cidade de
Deus" (2002), filme que colocou
Meirelles no mapeamento de
Hollywood.
""Intolerância" é um projeto
grande para os padrões do cinema brasileiro, mas não pelos padrões internacionais", afirma o
diretor. Centrado na globalização
e em seus efeitos sobre a vida de
pessoas comuns, o longa será filmado em oito diferentes países.
"Mas o personagem principal e
o mais inteligente é brasileiro",
diz Meirelles, rindo do próprio cabotinismo.
Ao repórter estrangeiro que lhe
perguntou se o Brasil ganharia a
próxima Copa do Mundo (sim,
ele respondeu perguntas até sobre
futebol em Veneza), o diretor exibiu orgulhoso a autoconfiança:
"Com 100% de certeza. Desculpe-me, mas desta vez não tem erro".
Homenagem
O Festival de Veneza consagrou
ontem a carreira do diretor artístico e produtor japonês Hayao Miyazaki, de 64 anos, premiado com
um Leão de Ouro pelo conjunto
de sua obra em animação.
Entre últimos trabalhos de Miyazaki estão o longa-metragem
"A Viagem de Chihiro" (2001),
vencedor do Urso de Ouro em
Berlim, e "O Castelo Animado"
(2004).
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