São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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FESTIVAL DE VENEZA

Aclamado pela imprensa no Lido, "O Jardineiro Fiel" aborda o uso de "cobaias" no continente africano

Meirelles quer debater indústria de remédios

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A VENEZA

Veneza foi só aplausos para "O Jardineiro Fiel", filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, que compete pelo Leão de Ouro. O vencedor do festival será conhecido nesta noite no Lido. O filme foi longamente aplaudido na sessão para a imprensa, na noite de anteontem. Os aplausos (de jornalistas e críticos) se repetiram ontem, quando o diretor e os atores Rachel Weisz e Ralph Fiennes chegaram para a entrevista coletiva organizada pelo festival.
A sala, de aproximadamente 400 lugares, estava tomada. E foi um sorridente e bem-humorado Meirelles quem respondeu às perguntas. No entanto, o diretor disse à Folha, na última quinta, que sentiu falta de um adjetivo na avalanche de boas críticas que seu filme vem recebendo nos Estados Unidos, onde está em cartaz desde o último dia 31.
"Tudo que eu queria é que alguém na platéia das pré-estréias norte-americanas tivesse se levantado e dito: "Isto é uma merda"." Por que almejou a desaprovação ao filme? "Para criar o debate", afirma.
Debate sobre o tema de fundo do longa, baseado no romance homônimo do autor inglês John Le Carré -as práticas da industria farmacêutica de uso das populações africanas como cobaias em testes de medicamentos, a colaboração dos governos do Primeiro Mundo nesse esquema e a falta de acesso dos africanos aos medicamentos de eficiência já comprovada, por seus preços proibitivos para o continente.
"Às vezes parávamos para almoçar durante as filmagens (em Nairobi e Kibera, no Quênia). Eu olhava para aquela multidão na minha frente e pensava que 80% deles têm Aids. Como isso pode ter acontecido com o continente africano nos últimos 25 anos?", afirma.
As condições de vida da população queniana, sobretudo em zonas pobres como Kibera, "que nem aparece no mapa", diz a atriz Rachel Weisz, foram impressionantes para ela, mas não a ponto de ter pena dos africanos.
"Ficamos todos comovidos. Aquilo é entristecedor em muitos aspectos, mas também encontramos um clima tão vívido, pessoas com tal disposição para a vida, que não dá para sentir pena", acrescentou o diretor.

Herói
A história de amor entre os personagens de Weisz e Fiennes só se transformou "no eixo da história, deixando em segundo plano o thriller político", durante a montagem do filme, segundo contou Meirelles.
Antes disso, ele não havia decidido que aspecto prevaleceria na narrativa. Mas o que atraiu Fiennes para o projeto foi o fato de Justin Quayle, seu personagem, não ser um herói romântico comum.
"Ele sente muita raiva, não apenas dor pela morte de sua mulher. Eu quis interpretar esse homem que parte numa cruzada pessoal", disse.
Fiennes é o personagem-título Justin Quayle, um diplomata designado para a chancelaria inglesa no Quênia, cuja mulher, Tessa (Weisz), é assassinada em razão de seu ativismo. Descobrir a trama -de lobby comercial da industria farmacêutica e conivência governamental- que levou à morte de Tessa transforma-se num objetivo que leva Quayle às conseqüências mais definitivas.
"Não fui eu que convidei Fiennes, ele é que aprovou meu nome", diz Meirelles.
O diretor brasileiro foi contratado pelo estúdio inglês Focus para dirigir "O Jardineiro Fiel" em substituição a Mike Newell, que abriu mão do projeto para filmar "Harry Potter e o Cálice de Fogo".
Quanto ao futuro da própria carreira, Meirelles planeja, depois de "O Jardineiro Fiel", voltar a um projeto brasileiro. O roteiro de "Intolerância" vem sendo desenvolvido no Brasil por Bráulio Mantovani, indicado ao Oscar pelo roteiro adaptado de "Cidade de Deus" (2002), filme que colocou Meirelles no mapeamento de Hollywood.
""Intolerância" é um projeto grande para os padrões do cinema brasileiro, mas não pelos padrões internacionais", afirma o diretor. Centrado na globalização e em seus efeitos sobre a vida de pessoas comuns, o longa será filmado em oito diferentes países.
"Mas o personagem principal e o mais inteligente é brasileiro", diz Meirelles, rindo do próprio cabotinismo.
Ao repórter estrangeiro que lhe perguntou se o Brasil ganharia a próxima Copa do Mundo (sim, ele respondeu perguntas até sobre futebol em Veneza), o diretor exibiu orgulhoso a autoconfiança: "Com 100% de certeza. Desculpe-me, mas desta vez não tem erro".

Homenagem
O Festival de Veneza consagrou ontem a carreira do diretor artístico e produtor japonês Hayao Miyazaki, de 64 anos, premiado com um Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra em animação.
Entre últimos trabalhos de Miyazaki estão o longa-metragem "A Viagem de Chihiro" (2001), vencedor do Urso de Ouro em Berlim, e "O Castelo Animado" (2004).


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