São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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Seguranças ensinam e contêm visitantes

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Eles aparecem do nada quando você está fazendo algo errado. Na Bienal, por exemplo, não é permitido encostar os cotovelos no guarda-corpo central dos andares superiores. Basta ameaçar uma inclinação para que um dos "men-in-black" lhe proíba, educadamente, a posição de descanso. "É perigoso", alertam.
Com a mesma frase, Antônio, um dos seguranças da exposição, dá a sua versão da relação público-vigilante. Perigoso, para ele, é trabalhar na Bienal: "As obras são valiosas. Já picharam, estragaram peças. Com um deslize nosso, tem gente fazendo coisa errada".
O "mau comportamento" do público, segundo Antônio, freqüentemente atinge uma das peças reunidas por Mark Dion no projeto "A Expedição Brasileira de Thomas Ender - Reconsiderada". Na sala, há armários de vidro pintados por fora. A pintura pode ser descascada para que o visitante veja animais empalhados no interior desses armários.
Só que começaram a rabiscar demais, segundo seguranças. As rasuras trazem nomes, desenhos e símbolos fálicos. Até que a organização da Bienal proibiu a interação, com o aval de Dion. "Mesmo assim, vem gente aqui que rabisca escondido", diz Antônio.
Em geral cordiais, os seguranças não são de falar muito. A regra é chamar um monitor se alguém fizer perguntas sobre as obras. Só às vezes o protocolo é quebrado. Antônio, por exemplo, teve que fazer sua intervenção quando ouviu um visitante explicar a outro que o pó que aparece na fotografia que faz parte da instalação do chinês Xu Bing era cocaína.
Sem um monitor à mão, Antônio explicou que o pó foi retirado dos escombros do World Trade Center após o 11 de Setembro. "A gente olha as obras o dia inteiro e ouve as explicações dos monitores. Já sei muito sobre elas."
Victor também tem sua explicação. Para ele, "alguns visitantes acham que arte contemporânea é qualquer coisa e que você pode fazer o que quiser com ela". A observação reflete uma situação cômica que ocorreu dentro da instalação que reproduz o ateliê do pernambucano Paulo Bruscky, transportado para a Bienal.
Em um dos cômodos, há uma mala com documentos e escrituras. Uma jovem visitante, sem qualquer cerimônia, apanhou a mala, que estava protegida por uma vitrine, e saiu andando com ela pela Bienal. "Eu fui atrás dela e peguei o trabalho de volta. Foi aí que ela me mostrou o que estava escrito na peça", conta Victor.
Na parte superior do trabalho há uma etiqueta onde está escrito que qualquer pessoa pode apanhar a mala, transportá-la para algum lugar e abandoná-la, para que outra pessoa, ao ler a mesma etiqueta, tome a mesma atitude. A curadoria da Bienal, no entanto, não quer que nenhum objeto do ateliê de Bruscky saia de seu lugar.
Outras histórias divertem os integrantes da equipe de seguranças, que foi reforçada depois da pichação das obras do cubano Jorge Pardo e do britânico Mike Nelson -antes eram 60 vigilantes, agora são cem. "Um colega me disse que já teve até que segurar a onda de um casal que estava se pegando em uma das salas escuras, onde estão os vídeos", conta um dos seguranças. (GF)



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