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GASTRONOMIA
Paris tem comida boa e barata?
NINA HORTA
EM PARIS
Já dizia Elizabeth David, a
grande escritora inglesa, em
1963: "Faz parte de nossas ilusões
mais queridas, entranhadas no
coração como uma lenda imortal,
o despretensioso "petit coin pas
cher", francês, onde se pode chegar a qualquer momento e ser
acolhido com amizade, recebido
com uma omelete bem-feita, uma
boa salada e um honesto copo de
vinho".
Hum, já falei sobre isso, acabei
de falar sobre isso. No mundo inteiro, está impossível o tal canto
de comida caseira gostosa e baratinha, achada por acaso pelo turista comum, que não tem um
amigo na terra, que não se interessa pelo vai-e-vem dos chefs, que
não se ocupa das revistas gastronômicas... Está viajando, tem outros interesses e ponto.
O Nestrovski, crítico musical da
Folha, que, de vez em quando,
aventura-se por esta página de comida com um belo estilo fogoso,
diz o contrário e nos dá bons endereços de comida boa e barata.
Ótimo. É bom e democrático que
o homem da música que entende
de restaurantes venha nos ajudar.
E que a cozinheira, de vez em
quando, vá fazer a crítica de música. Com pareceres contrários, é
possível chegar a um meio-termo
e formar a sua própria opinião.
Agora, vamos e venhamos. Ele
tem certa razão. Quando se tem
uma bagagem de 40 anos de ver,
cheirar, fazer e comer comida.
Quando se lê guias de restaurantes como novelas interessantíssimas. Quando em viagens trocamos mercados por museus, acredito que a pessoa vai se tornando
empedernida, brava demais. Começa a achar que o comedor pouco exigente, a maioria dos turistas, tem os olhos cobertos por
uma nuvem de romantismo e de
ilusão, como as freirinhas taradas
do Almodóvar.
Lembram-se do filme "Entre Tinieblas", ou "Maus Hábitos", em
que uma delas, sob efeito do ácido, enxergava no seu minguado
prato, cheio de folhas e favas da
horta, uma refeição colorida, deslumbrante, opulenta, restauradora? Mais ou menos isso. E não pode ser assim. É preciso que reajam
para que a comida não seja toda
engolfada pela mediocridade, pela ruindade, mesmo.
Bom, continuo em Paris, e chegaram os dois netos e a filha. E,
com eles, chegou uma greve dos
metrôs. Não há táxis. Deixo aqui
nome e endereço do motorista
que nos salvou. Chama-se Antonio Abreu, nasceu no Brasil, mora
em Paris, tem uma van poderosa,
é branché, descolado, sabe das
coisas e pode levar você ao canto
mais escondido de Paris por preços menores que os dos táxis inexistentes. Graças a ele, fomos às
padarias, às casas de queijo, às
épiceries, aos petits coins très
chers, enquanto os netos se divertiam com os pontos turísticos que
tinham de ver.
Conheci a Librairie Gourmande, que é ferozmente comandada
pela dona, sentada entre seus livros de contabilidade, o olhar "farouche", bufando a cada cliente
que entra. Os jovens que atendem
não sabem nada de livros de cozinha e titubeando, medrosos,
apontam para o marido de madame Baudon, o monsieur Baudon.
Ele vem, simpático, logo avisando
que quem manda na casa é a mulher, ele é só um assistente.
Não desanime, sozinho você é
capaz de desentranhar boas coisas e de encomendar o que precisa. O mais novo ensaio que vi sobre comida francesa é "Portraits
Toqués, Enquêtes Chez les Trois
Étoiles", de Olivier Nanteau. É
uma ótima crônica dos últimos
anos de gastronomia francesa por
um jornalista gastronômico e radialista que entrevista os chefs semanalmente num programa de
sucesso.
As casas de utensílios continuam lá e, para não ocupar espaço, vou dar só os nomes. Descobri
que, melhor que qualquer guia,
são as páginas das listas telefônicas. Dedique-se às introduções
das listas e em breve estará em
Roma como os romanos.
Sempre guiados pelo Antonio e
sua brava máquina, visitamos panelas na Dehillerin, M.O.R.A e A
Simon. Uma boa bagunça, muita
faca, muita fôrma, uma gritaria
infernal e parece que produtos
mais baratos do que em Nova
York, assim nos disse um brasileiro que está fazendo sucesso em
NY com restaurantes brasileiros.
Não vi nada que não achasse em
São Paulo, mas valeu o passeio.
E, para não ficar por baixo das
indicações dos "petits coins", vão
aqui algumas, de comida boa, de
verdade, e mais baratas, que me
foram dadas pelo Jeffrey Steingarten quando o entrevistei para a
Folha. É o que digo, nem todo turista tem a chance de entrevistar
um dos críticos mais conceituados e que não faz outra coisa na
vida que procurar bistrôs baratos
em Paris.
E-mail: ninahort@uol.com.br
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