São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 2000

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GASTRONOMIA
Paris tem comida boa e barata?

NINA HORTA
EM PARIS

Já dizia Elizabeth David, a grande escritora inglesa, em 1963: "Faz parte de nossas ilusões mais queridas, entranhadas no coração como uma lenda imortal, o despretensioso "petit coin pas cher", francês, onde se pode chegar a qualquer momento e ser acolhido com amizade, recebido com uma omelete bem-feita, uma boa salada e um honesto copo de vinho".
Hum, já falei sobre isso, acabei de falar sobre isso. No mundo inteiro, está impossível o tal canto de comida caseira gostosa e baratinha, achada por acaso pelo turista comum, que não tem um amigo na terra, que não se interessa pelo vai-e-vem dos chefs, que não se ocupa das revistas gastronômicas... Está viajando, tem outros interesses e ponto.
O Nestrovski, crítico musical da Folha, que, de vez em quando, aventura-se por esta página de comida com um belo estilo fogoso, diz o contrário e nos dá bons endereços de comida boa e barata. Ótimo. É bom e democrático que o homem da música que entende de restaurantes venha nos ajudar. E que a cozinheira, de vez em quando, vá fazer a crítica de música. Com pareceres contrários, é possível chegar a um meio-termo e formar a sua própria opinião.
Agora, vamos e venhamos. Ele tem certa razão. Quando se tem uma bagagem de 40 anos de ver, cheirar, fazer e comer comida. Quando se lê guias de restaurantes como novelas interessantíssimas. Quando em viagens trocamos mercados por museus, acredito que a pessoa vai se tornando empedernida, brava demais. Começa a achar que o comedor pouco exigente, a maioria dos turistas, tem os olhos cobertos por uma nuvem de romantismo e de ilusão, como as freirinhas taradas do Almodóvar.
Lembram-se do filme "Entre Tinieblas", ou "Maus Hábitos", em que uma delas, sob efeito do ácido, enxergava no seu minguado prato, cheio de folhas e favas da horta, uma refeição colorida, deslumbrante, opulenta, restauradora? Mais ou menos isso. E não pode ser assim. É preciso que reajam para que a comida não seja toda engolfada pela mediocridade, pela ruindade, mesmo.
Bom, continuo em Paris, e chegaram os dois netos e a filha. E, com eles, chegou uma greve dos metrôs. Não há táxis. Deixo aqui nome e endereço do motorista que nos salvou. Chama-se Antonio Abreu, nasceu no Brasil, mora em Paris, tem uma van poderosa, é branché, descolado, sabe das coisas e pode levar você ao canto mais escondido de Paris por preços menores que os dos táxis inexistentes. Graças a ele, fomos às padarias, às casas de queijo, às épiceries, aos petits coins très chers, enquanto os netos se divertiam com os pontos turísticos que tinham de ver.
Conheci a Librairie Gourmande, que é ferozmente comandada pela dona, sentada entre seus livros de contabilidade, o olhar "farouche", bufando a cada cliente que entra. Os jovens que atendem não sabem nada de livros de cozinha e titubeando, medrosos, apontam para o marido de madame Baudon, o monsieur Baudon. Ele vem, simpático, logo avisando que quem manda na casa é a mulher, ele é só um assistente.
Não desanime, sozinho você é capaz de desentranhar boas coisas e de encomendar o que precisa. O mais novo ensaio que vi sobre comida francesa é "Portraits Toqués, Enquêtes Chez les Trois Étoiles", de Olivier Nanteau. É uma ótima crônica dos últimos anos de gastronomia francesa por um jornalista gastronômico e radialista que entrevista os chefs semanalmente num programa de sucesso.
As casas de utensílios continuam lá e, para não ocupar espaço, vou dar só os nomes. Descobri que, melhor que qualquer guia, são as páginas das listas telefônicas. Dedique-se às introduções das listas e em breve estará em Roma como os romanos.
Sempre guiados pelo Antonio e sua brava máquina, visitamos panelas na Dehillerin, M.O.R.A e A Simon. Uma boa bagunça, muita faca, muita fôrma, uma gritaria infernal e parece que produtos mais baratos do que em Nova York, assim nos disse um brasileiro que está fazendo sucesso em NY com restaurantes brasileiros. Não vi nada que não achasse em São Paulo, mas valeu o passeio.
E, para não ficar por baixo das indicações dos "petits coins", vão aqui algumas, de comida boa, de verdade, e mais baratas, que me foram dadas pelo Jeffrey Steingarten quando o entrevistei para a Folha. É o que digo, nem todo turista tem a chance de entrevistar um dos críticos mais conceituados e que não faz outra coisa na vida que procurar bistrôs baratos em Paris.
E-mail: ninahort@uol.com.br


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