São Paulo, sábado, 10 de novembro de 2007

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Crítica/"As Avós"

Novela revela as limitações da vencedora do Nobel 2007

Obra de Doris Lessing traz mulheres que enfrentam perda dos companheiros

Shaun Curry - 11.out.2007/France Presse
A escritora Doris Lessing em sua casa, em Londres, quando foi anunciada como vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2007


ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Q uando a britânica Doris Lessing recebeu algumas semanas atrás o Prêmio Nobel de Literatura, não houve gritos de entusiasmo nem de grande decepção. Por várias razões, parecia uma escolha destinada a evitar o conflito que outras opções entre candidatos mais "merecedores" poderia provocar (vale lembrar que Jorge Luis Borges acompanhou durante décadas a honra ser concedida a escritores imensamente inferiores a ele e morreu aos 86 anos, em 1986, sem o prêmio; ou seja, a Academia Sueca não raro se confunde bastante...). "As Avós", novela de Lessing extraída de uma coletânea de quatro textos publicada no final de 2003 na Inglaterra que aqui recebe uma edição isolada, segue a mesma tendência. Mostra uma autora obviamente segura do que faz, que cria uma ótima premissa e a desenvolve de modo correto, ainda que fique longe de atingir as possibilidades do enredo que concebe. Enfim, dá ao leitor brasileiro um exemplo adequado do alcance da escritora.
Duas meninas, Lil e Roz, se conhecem na escola e se tornam amigas íntimas. Seguem próximas na adolescência e durante a faculdade (uma se dedica aos esportes, a outra, ao teatro), se casam (numa cerimônia dupla) e vão morar na mesma rua. Cada uma tem um filho ("dois meninos, loiros e agradáveis, todos diziam que podiam ser irmãos").
O tempo passa. Harold, o marido de Roz, anuncia, então, que não agüenta mais: "Não pense que eu não sinto, e muito. Eu gosto tanto de você, e você sabe. Vou sentir uma falta enorme. Você é boa companheira. Nunca mais vou encontrar alguém tão boa de cama, e eu sei disso. Mas me sinto como uma sombra aqui. Eu não importo. É só isso". E vai embora, aceitando um emprego de professor em uma universidade de outro local. Em seguida, Theo, o companheiro de Lil, morre em um acidente automobilístico.

Mulheres de meia-idade
O problema que Lessing se coloca é: o que farão agora, sozinhas, essas lindas mulheres de meia-idade e seus filhos adolescentes? O jogo sexual que se inicia não será revelado para não estragar a surpresa dos leitores da obra. Pode-se dizer, no entanto, que a partir daí a autora não consegue dar conta da transgressão que cria.
É como se, desse instante em diante, os eventos tivessem que seguir uma certa ordem natural da vida, e todos os envolvidos -as mulheres, os filhos e outros personagens que se ligam às duas famílias- cumprissem de modo rigoroso, com suas idéias, seu prazer e seu sofrimento, papéis que seguem sempre fiéis ao rígido esquema do "real".

Transgressão
Paradoxalmente, a transgressão impõe a normalidade. Qual seria a alternativa não cabe a este resenhista decidir: que elas existiriam, não resta dúvida, mesmo que fosse na condução menos ligeira das questões morais que precisariam ser "resolvidas" por essas novas pessoas que aparecem na história.
Quanto ao Nobel, Philip Roth, Umberto Eco, Claudio Magris ou o antropólogo Claude Lévi-Strauss, citado por um jornal sueco como um dos favoritos neste ano, vão continuar esperando. Doris Lessing já conseguiu o dela. Afinal, como afirmou o diretor da Academia Sueca, Horace Engdahl, em declaração concedida pouco depois de o anúncio ser feito, "trata-se de uma das decisões mais meditadas que já tomamos".

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e autor de "O Abismo Invertido" (Globo).


AS AVÓS
Autora:
Doris Lessing
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28 (104 págs.)
Avaliação: bom



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