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"FILME BRASILEIRO"/CRÍTICA
"Filhos do Brasil" lançam um meteoro na música brasileira
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Eles são bonitos, arrojados,
exasperados e desabusados, e
seu segundo disco cai no chão da
nossa música como um meteoro.
Já era de se esperar algo do gênero, passados dois anos do primeiro disco do DonaZica, "Composição". Mas ninguém poderia prever este "Filme Brasileiro", que
acaba de sair na série CD 7 (cds
mais baratos, com sete músicas).
Só quem viu DonaZica ao vivo
pode avaliar do que o noneto é capaz. Musicalmente a mistura já é
explosiva, combinando vertentes
que vão da música eletrônica à
bandinha de coreto, de Jorge Ben
Jor a Arrigo Barnabé, de Itamar
Assumpção a Tom Zé, rap, rock e
Mário de Andrade. Em cena, a
combinação ganha acentos estrambóticos, que atualizam as invenções performáticas da canção
tropicalista, uma geração depois
das reinvenções da vanguarda
paulista.
Em disco, a questão se traduz
para outro campo -precisamente para este meio, o disco, afligido
hoje por crises mais ou menos
apocalípticas segundo a ótica do
profeta. "Filme Brasileiro" é mesmo um exemplo do que pode representar um disco, confrontado
com as pulverizações da música
pela internet. O disco, no caso, é
uma obra, composta por sete canções, ou sete cenas, ou como se
queira chamar as partes do todo.
E o disco tem uma idéia, que faz
de cada canção um reflexo enriquecido das outras.
"Relaxe", começa a letra da primeira música, parceria de Iara
com Alzira Espíndola. "Bicho-papão não dá medo a ninguém" -e
a gente bem pode imaginar o que
não virá pela frente, sob os augúrios de uma figura repetida no
baixo (alternando compassos
quaternários e ternários, à maneira de Itamar), junto da bateria
curta e funda e as econômicas figuras do contraponto na flauta
(dobrada), aos quais se somam
intervenções de um triângulo de
baião e suspiros de moça. Isso tudo nos primeiros 50 segundos de
música, o que dá a medida do engenho em evidência do começo
ao fim do disco.
Ressalte-se o engenho da gravação, outra arte do disco como disco. Quando as três musas cantam
"segure-se", as vozes vêm e vão de
vários pontos, sibilinamente sedutoras nos seus "ss". Cada detalhe é pertinente, até para confirmar, onde preciso, a sua justa impertinência; e cada canção se resolve segundo leis que cria para si.
Para usar uma terminologia de
Tom Zé: não são, de modo geral,
canções "contemplativas", canções da beleza, mas muito mais
canções "cognitivas", que provocam e fazem pensar. "Quem cozinhou o Brasil?", pergunta serenamente Andréia Dias. "500 anos de
ilusão e feijão", continua ela, a caminho dos desabusos: "Passou de
mão em mão", "comeu com goiabada e marmelada", "descobriu a
cura que cura nada", até a uzynozônica "Quem descobriu o Brasil?/ Pegou no teu pau-/Brasil",
onde a separação dos versos crava
toda uma arte da ambigüidade.
Esse é um disco dos filhos do
Brasil, não só porque Iara é filha
de Alzira Espíndola, e Anelis Assumpção de Itamar, mas porque a
questão da gênese se deixa adivinhar por trás de tudo. Neste "Filme Brasileiro", cabem vanguardas e atavismos de várias extrações, que o DonaZica combina
como ninguém, na esperança de
um final desconhecido.
Filme Brasileiro
Artista: DonaZica
Gravadora: Elo Music
Quanto: R$ 17, em média
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