PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Um Sonho Dentro de um Sonho" é uma experiência inesperada para quem julga que seu diretor, Anthony Hopkins, ator britânico com trabalhos quase sempre dentro de uma tradição de cinema narrativo, honraria seu currículo "clássico". São 96 minutos de imagens completamente órfãs de uma coluna vertebral que lhes dê a tal coerência pedida por um cinema de enredo, numa montagem que bombardeia os olhos do espectador.
Temos Felix Bonhoeffer (Hopkins), um roteirista em crise, misturando alucinação e realidade, que precisa retomar o script de um thriller, "Slipstream" (turbilhão), cujo protagonista bateu as botas. Este ator estava em crise semelhante à de Felix e reescrevia ele próprio o texto a cada nova tomada, quebrando assim a sagrada hierarquia da produção cinematográfica.
Mas essa é a sinopse que abastece a nossa necessidade de lógica, pois o que "Um Sonho..." nos mostra é a incerteza, numa explosão de tomadas ora curtíssimas, ora alongadas, sempre estilizadas, com sons invadindo outra cena, trancos, repetições, inserções de imagens "alienígenas" (como James Dean e seu Porsche 550 Spyder, o cogumelo atômico, Hitler, entre outras).
Mas há um norte, claro: por mais que costure estilhaços sem nenhum avanço ou enunciado evidente, "Um Sonho..." comenta o cinema e o colapso de uma produção audiovisual que talvez não consiga traduzir o mundo, dar a ele um sentido narrativo. Daí apresentar um filme com fluidez travada, como um defeito de fabricação na tradição de contar histórias. Um filme de colapso dos sentidos, mais lamentando que assumindo tal crise, e, talvez, de crise pessoal, de Hopkins. Produção notável, sem concessões e financiada por Hollywood.