São Paulo, sábado, 11 de julho de 1998

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Originais que caíram em boas mãos

especial para a Folha

Aconteceu com Mirisola o que havia acontecido, há dois anos, com Paulo Lins ("Cidade de Deus"): os originais do primeiro livro caíram em boas mãos.
No caso de Lins, caíram nas do crítico dos críticos acadêmicos, Roberto Schwarz, e ele recebeu um empurrão hábil, foi editado pela Companhia das Letras e teve sua literatura bem acolhida.
Mirisola, um escritor persistente, enviou seu livro para o crítico dos jovens críticos, Marcelo Coelho. Era mais um entre tantos que Coelho recebe. Ficou encostado até a psicanalista Maria Rita Kehl, mulher de Coelho, encontrá-lo casualmente. Kehl indicou a editora, prefaciou o livro, e Coelho "lançou-o" em sua coluna semanal desta Ilustrada. Feito.
Faço, aqui, um cruzamento entre as obras de Lins e Mirisola. Ambos se apóiam num estilo perturbado, rápido, acumulador de imagens, para contar suas histórias. Engano. Lins conta uma história e tanto, já que cresceu na quase-favela carioca Cidade de Deus e viu três gerações de malandragem se sucederem e se suicidarem.
Mirisola não conta história alguma. É o que ele diz, é o que aparenta. Mirisola fala dele mesmo e escreve cartas sobre ele mesmo. O que dá uma tremenda história.
Curioso como Coelho, o jornalista (profissão "dinâmica"), acata os reflexos de um não-contador de história, e Schwarz, o acadêmico (profissão "reflexiva"), se deixa envolver pelos pesadelos do tráfico carioca. Mas isso é outro papo.
Mas, espere um pouco. Tenho outra historinha para contar.
Também recebo originais. Também um escritor inédito me seduziu. Luis Dolhnikoff, seu nome. Também indiquei editoras e citei-o em colunas. Foi recusado e editou por conta o de tirar o fôlego livro "Os Homens de Ferro". Dolhnikoff é um daqueles escritores que a gente, escritores, gostaria que não tivesse nascido, pois é, ou consideramos, infinitamente melhor que nós, o que acarreta crises de criação.
Mas Dolhnikoff entregou seus originais para a pessoa errada, outro escritor, eu. Deveria ter entregue a um crítico. Continua semi-inédito, sem a sorte de Lins e Mirisola. Moral da história: escritor inédito, incansável, insista não com seus pares, mas com críticos, e boa sorte. Ninguém leva um escritor a sério. Já os críticos...
(MRP)


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