São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2006

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Crítica/rock

Zefirina Bomba procura o barulho perfeito em CD veloz

DA REPORTAGEM LOCAL

Zefirina era uma lavadeira que saiu de Catolé da Rocha (interior da Paraíba) para trabalhar na casa do pequeno Ilsom. O menino nunca apagou da memória a barulheira que ela fazia quando batia a roupa no tanque para tirar o excesso de sabão. Parecia o som de uma bomba. Quando cresceu, Ilsom resolveu montar uma banda de garagem bem ruidosa. Ao escolher o nome, não pensou duas vezes: Zefirina Bomba.
Hoje com 29 anos, vocalista e "violeiro" do trio, Ilsom Barros fica curioso para saber o que a antiga lavadeira pensaria sobre o disco de estréia de seu grupo, o ótimo "Noisecoregroovecocoenvenenado", que reúne, além das influências vindas do tanque, ecos díspares de Iggy Pop a Pixies, surf music a Tom Zé e Glauber Rocha a João Cabral de Melo Neto.
Se Zefirina teve vida curta e não primava pelo silêncio, a banda também busca a urgência. São exatos 27 minutos -curtos e nada rasteiros- de um rock descendente dos pré-punks Stooges e MC5, com 15 faixas que duram pouco mais de dois minutos cada uma. É quase um tiro no pé em termos comerciais, comparado aos padrões atuais, em que gravadoras e artistas insistem em discos longos e exaustivos, como se um maior número de músicas fosse agregar qualidade para atrair o consumidor.

Glauber Rocha
"O CD foi pensado como se fosse um álbum dos tempos do vinil, daqueles que, quando terminam, você fala: "Nossa, já acabou? Vamos ouvir de novo?'", explica Barros. "Nossos shows também são curtos, não duram mais do que meia hora.
Tudo é muito urgente, a gente fala pouco e grita bastante." Mas por que tamanha contenção de palavras e tempo? Entre as influências extramusicais, Barros cita o cineasta Glauber Rocha e o poeta João Cabral de Melo Neto. "A Paraíba é uma região com muitos contrastes: ao lado de um prédio novo, você vê uma casa destruída. Tudo é muito visual", diz.
"Nos seus filmes, Glauber jogava as imagens direto na nossa cara, não ficava explicando as coisas, era tudo muito simbólico", explica. A imagem de Corisco (de "Deus e o Diabo na Terra do Sol") girando e gritando casa-se à perfeição com o som árido do Zefirina. "Já João Cabral era cru, dizia muito com pouco, também de uma maneira direta. São referências mais pessoais, que uso na estrutura das palavras das canções."
Cita a canção "TPM". "Quando chega a TPM, é aquela coisa: a menina não consegue se expressar direito, e o cara não entende nada", diz. Na letra, as frases não se completam: "Pensei bem no que.../ Mas nada do que eu digo/Você tenta entender?/Pra isso nunca sirvo". Na busca pelo barulho perfeito, Barros transformou sua viola num poderoso instrumento de distorção ao incrementá-la com captadores, conseguindo novos sons. "A viola já tem um som estourado, rude e rasgado naturalmente. Queria ver como soaria se usasse como uma guitarra, no amplificador."
"A Paraíba é um lugar onde o rural e o urbano estão o tempo todo juntos, convivendo. Fica muito próximo da Zona da Mata, ver rabecas e violeiros é uma coisa normal, faz parte da minha formação. Eu e meus amigos ouvíamos de tudo: de Jackson do Pandeiro e Raul Seixas a AC/ DC."


Sem fusões
A terra natal, diz Barros, ex-instrutor de natação de crianças, gestantes e idosos, ainda ajudou a banda a não ter medo de ousar. "A tranqüilidade da Paraíba é aparente; por trás da calma tem muita loucura. Como a gente não tinha perspectiva de mercado, resolvemos colocar para quebrar."
O Zefirina Bomba, no entanto, não usa o velho recurso do exotismo da fusão do rock e regionalismos como atrativo. Aliado ao peso, há um senso pop que permeia todas as canções, o que em parte justifica o interesse do produtor Carlos Eduardo Miranda, que "descobriu" a banda e os incentivou a tentar a sorte em São Paulo -o disco, no entanto, tem produção assinada pelo próprio Ilsom. "Noisecore" é um disco para os dias atuais: esperto e com altas referências que os deixam acima de qualquer banda "pesada" do mainstream e com refrões e riffs grudentos que poucos grupos de garagem conseguem criar. (BRUNO YUTAKA SAITO)

NOISECOREGROOVECOCOENVENENADO    
Artista: Zefirina Bomba
Lançamento: Trama
Quanto: R$ 28, em média


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