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LIVROS/LANÇAMENTOS
"SUPER-CANNES"
Obra traz selvageria capitalista
ALCINO LEITE NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Muito cuidado com as elites da nova economia
-avisa o escritor inglês J.G. Ballard em seu novo romance, "Super-Cannes", lançado com estardalhaço no último mês no Reino
Unido.
Essa gente com salários milionários, internacional, infatigável,
inventiva, elegante e bem informada, à serviço da tecnologia, da
biotecnologia, da mídia e do entretenimento de ponta, está se
constituindo como uma nova e
perversíssima aristocracia.
Narcisistas e ambiciosos, os
neo-empregados têm dado o seu
sangue ao supercapitalismo pós-puritano, que os explora na forma
maliciosa de trabalho "criativo-intelectual", transformando-os
em superproletários desinteressados em distinguir o lazer da labuta, pois seus projetos individuais
se confundem com os das corporações.
Eles recebem em pagamento,
além dos megassoldos, sua autonomia moral e até física da sociedade, o direito de se sentirem superiores, célebres e irresponsáveis
em relação ao resto da humanidade -que vai imergindo na ilegalidade, no trabalho informal e mal-remunerado e nos serviços turísticos, sexuais e de segurança para
essas mesmas elites.
"Super-Cannes" é um misto de
romance policial com ficção científica. O crime aqui, no entanto, é
social. E o futuro já está entre nós,
em processo, no velho e bom esquema de Ballard, que não pensa
duas vezes em submeter o literário à sua "ficção ensaística pop",
provocativa e atenta às mutações
mentais (e até físicas) da época.
Ballard (nascido em 1930, em
Xangai, China) é uma celebridade
na Inglaterra e vive numa zona
franca entre o best seller e a alta
cultura.
No Brasil, permanece um quase
desconhecido, apesar de dois filmes famosos terem saído de suas
obras: "Crash" (filmado por David Cronenberg) e "O Império do
Sol" (por Steven Spielberg), ambas lançadas pela Record. "Super-Cannes" e "Cocaine Nights", penúltimo livro do autor, ainda
aguardam editoras no país.
A narrativa de "Super-Cannes"
circula entre dois espaços: a tradicional cidade do festival de cinema e um conjunto empresarial ultra-sofisticado, Eden-Olympia,
em que grandes corporações econômicas transnacionais (Microsoft, Motorola etc.) montaram
um paraíso de trabalho e moradia
para seus principais executivos.
Eden-Olympia é um mundo à
parte na Côte d'Azur, um parque
pós-industrial, fechado e riquíssimo, com um sistema de segurança perfeito. Ou quase perfeito
-porque não conseguiu impedir
que um de seus funcionários matasse de uma só vez uma penca de
executivos e se suicidasse a seguir.
Contar mais é antecipar as surpresas do livro. Basta dizer que
Ballard, talvez um pouco exageradamente, vai encadeando na história alguns dos principais traumas hodiernos: drogas pesadas,
imigração ilegal, conflitos raciais,
máfias, exploração sexual, pedofilia, consumismo, estresse, racismo, televigilância, moda, voyeurismo e corrupção policial. Há até
"travestis de Recife e Niterói"!
O quadro geral, montado como
sátira, é na verdade desolador. Ballard descreve um mundo decidido a levar às últimas consequências a segregação social, a dessublimar a violência como principal
estimulante psicológico (depois
da banalização e mercantilização
do sexo) e a transformar a agressão e a morte em esporte radical
de "fascistas de fim-de-semana".
Super-Cannes
Autor: J.G. Ballard
Editora: Flamingo (Reino Unido)
Quanto: 16,99 libras (US$ 24,37)
Onde: pode ser encomendado à Livraria
Cultura (tel. 0/xx/11/285-4033)
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