São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS/LANÇAMENTOS
"SUPER-CANNES"
Obra traz selvageria capitalista

ALCINO LEITE NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Muito cuidado com as elites da nova economia -avisa o escritor inglês J.G. Ballard em seu novo romance, "Super-Cannes", lançado com estardalhaço no último mês no Reino Unido.
Essa gente com salários milionários, internacional, infatigável, inventiva, elegante e bem informada, à serviço da tecnologia, da biotecnologia, da mídia e do entretenimento de ponta, está se constituindo como uma nova e perversíssima aristocracia.
Narcisistas e ambiciosos, os neo-empregados têm dado o seu sangue ao supercapitalismo pós-puritano, que os explora na forma maliciosa de trabalho "criativo-intelectual", transformando-os em superproletários desinteressados em distinguir o lazer da labuta, pois seus projetos individuais se confundem com os das corporações.
Eles recebem em pagamento, além dos megassoldos, sua autonomia moral e até física da sociedade, o direito de se sentirem superiores, célebres e irresponsáveis em relação ao resto da humanidade -que vai imergindo na ilegalidade, no trabalho informal e mal-remunerado e nos serviços turísticos, sexuais e de segurança para essas mesmas elites.
"Super-Cannes" é um misto de romance policial com ficção científica. O crime aqui, no entanto, é social. E o futuro já está entre nós, em processo, no velho e bom esquema de Ballard, que não pensa duas vezes em submeter o literário à sua "ficção ensaística pop", provocativa e atenta às mutações mentais (e até físicas) da época.
Ballard (nascido em 1930, em Xangai, China) é uma celebridade na Inglaterra e vive numa zona franca entre o best seller e a alta cultura.
No Brasil, permanece um quase desconhecido, apesar de dois filmes famosos terem saído de suas obras: "Crash" (filmado por David Cronenberg) e "O Império do Sol" (por Steven Spielberg), ambas lançadas pela Record. "Super-Cannes" e "Cocaine Nights", penúltimo livro do autor, ainda aguardam editoras no país.
A narrativa de "Super-Cannes" circula entre dois espaços: a tradicional cidade do festival de cinema e um conjunto empresarial ultra-sofisticado, Eden-Olympia, em que grandes corporações econômicas transnacionais (Microsoft, Motorola etc.) montaram um paraíso de trabalho e moradia para seus principais executivos.
Eden-Olympia é um mundo à parte na Côte d'Azur, um parque pós-industrial, fechado e riquíssimo, com um sistema de segurança perfeito. Ou quase perfeito -porque não conseguiu impedir que um de seus funcionários matasse de uma só vez uma penca de executivos e se suicidasse a seguir.
Contar mais é antecipar as surpresas do livro. Basta dizer que Ballard, talvez um pouco exageradamente, vai encadeando na história alguns dos principais traumas hodiernos: drogas pesadas, imigração ilegal, conflitos raciais, máfias, exploração sexual, pedofilia, consumismo, estresse, racismo, televigilância, moda, voyeurismo e corrupção policial. Há até "travestis de Recife e Niterói"!
O quadro geral, montado como sátira, é na verdade desolador. Ballard descreve um mundo decidido a levar às últimas consequências a segregação social, a dessublimar a violência como principal estimulante psicológico (depois da banalização e mercantilização do sexo) e a transformar a agressão e a morte em esporte radical de "fascistas de fim-de-semana".


Super-Cannes
    Autor: J.G. Ballard Editora: Flamingo (Reino Unido) Quanto: 16,99 libras (US$ 24,37) Onde: pode ser encomendado à Livraria Cultura (tel. 0/xx/11/285-4033)




Texto Anterior: Da Rua - Fernando Bonassi: Você aí
Próximo Texto: "A Corte no Exílio": Começo tropical do teatro da política
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.