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CRÍTICA
Compositor emociona em registro íntimo
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Qualquer manual de cinema desaconselharia entregar a direção de um documentário ao ex-genro do protagonista -distância é fundamental para manter a atitude
crítica. Porém é justamente a
proximidade do cineasta Miguel Faria Jr. com o poeta,
compositor e autor teatral Vinicius de Moraes (1913-1980)
que faz de seu filme uma bela
surpresa.
"Vinicius" não é um documentário convencional. Optando por estilizar a figura do
narrador, o roteiro cria um
pocket-show conduzido pelos
atores Ricardo Blat e Camila
Morgado, que relatam passagens da vida de Vinicius e interpretam seus poemas.
Essa moldura ficcional é um
pretexto para que a narrativa
seja entremeada por vários números musicais (bem editados,
por sinal, no CD já lançado pela
gravadora Biscoito Fino). Intérpretes de várias gerações da
MPB de Edu Lobo e Maria Bethânia a Mônica Salmaso e Yamandú Costa mostram como
as canções do "poetinha" permanecem emotivas e contemporâneas. Única exceção: o número com os rappers MS Bom
e Nego Jeff, que soa artificial.
Faria Jr. não se interessou por
investigar e relatar com minúcias a vida de Vinicius. Preferiu
traçar um retrato sensível da
complexa personalidade desse
diplomata e poeta de formação
erudita, que mudou radicalmente de vida ao se envolver
com a música popular.
Mesmo sem ser um documentário típico, "Vinicius" exibe imagens raras, como a cena
do filme "Pista de Grama", de
Haroldo Costa, em que Elizeth
Cardoso canta "Eu Não Existo
sem Você", acompanhada pelo
violão de João Gilberto, em
1958. Ou o próprio Vinicius,
em 1963, cantando no filme
"Les Carnets Brésiliens", de
Pierre Kast.
Mais surpreendente é a aparição do poeta, em uma cena
doméstica, nos anos 70, ao lado
da filha Susana de Moraes (co-produtora do filme). Embriagado, segurando o costumeiro
copo de uísque, ele abre o coração, dizendo não ser bem compreendido pelas mulheres.
Depoimentos de compositores, como Carlos Lyra e Francis
Hime, também contribuem para delinear com mais transparência o modo de ser do parceiro. Recusando-se a compor
uma imagem politicamente
correta, eles revelam detalhes
íntimos, como a relação cotidiana de Vinicius com o álcool.
Ou seu desejo, expresso publicamente, de ter sido um músico negro, como Pixinguinha.
Já os relatos da atriz Tônia
Carrero e do músico e parceiro
Toquinho sugerem que Vinicius vivia em estado quase permanente de arrebatamento.
Criou muitos de seus 400 poemas e outro tanto de canções
sob o estímulo dos amores.
Chegou a se casar nove vezes e
sofria ao perceber que o fogo de
uma paixão arrefecera. É difícil
não se emocionar com o retrato de um poeta que mergulhou
na vida de modo tão intenso.
Carlos Calado é jornalista e crítico
musical, autor de "Tropicália - A História de uma Revolução Musical", entre outros livros
Vinicius
Direção: Miguel Faria Jr.
Produção: Brasil, 2005
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Morumbi, Top Cine e circuito
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