São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 2005

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CRÍTICA

Compositor emociona em registro íntimo

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Qualquer manual de cinema desaconselharia entregar a direção de um documentário ao ex-genro do protagonista -distância é fundamental para manter a atitude crítica. Porém é justamente a proximidade do cineasta Miguel Faria Jr. com o poeta, compositor e autor teatral Vinicius de Moraes (1913-1980) que faz de seu filme uma bela surpresa.
"Vinicius" não é um documentário convencional. Optando por estilizar a figura do narrador, o roteiro cria um pocket-show conduzido pelos atores Ricardo Blat e Camila Morgado, que relatam passagens da vida de Vinicius e interpretam seus poemas.
Essa moldura ficcional é um pretexto para que a narrativa seja entremeada por vários números musicais (bem editados, por sinal, no CD já lançado pela gravadora Biscoito Fino). Intérpretes de várias gerações da MPB de Edu Lobo e Maria Bethânia a Mônica Salmaso e Yamandú Costa mostram como as canções do "poetinha" permanecem emotivas e contemporâneas. Única exceção: o número com os rappers MS Bom e Nego Jeff, que soa artificial.
Faria Jr. não se interessou por investigar e relatar com minúcias a vida de Vinicius. Preferiu traçar um retrato sensível da complexa personalidade desse diplomata e poeta de formação erudita, que mudou radicalmente de vida ao se envolver com a música popular.
Mesmo sem ser um documentário típico, "Vinicius" exibe imagens raras, como a cena do filme "Pista de Grama", de Haroldo Costa, em que Elizeth Cardoso canta "Eu Não Existo sem Você", acompanhada pelo violão de João Gilberto, em 1958. Ou o próprio Vinicius, em 1963, cantando no filme "Les Carnets Brésiliens", de Pierre Kast.
Mais surpreendente é a aparição do poeta, em uma cena doméstica, nos anos 70, ao lado da filha Susana de Moraes (co-produtora do filme). Embriagado, segurando o costumeiro copo de uísque, ele abre o coração, dizendo não ser bem compreendido pelas mulheres.
Depoimentos de compositores, como Carlos Lyra e Francis Hime, também contribuem para delinear com mais transparência o modo de ser do parceiro. Recusando-se a compor uma imagem politicamente correta, eles revelam detalhes íntimos, como a relação cotidiana de Vinicius com o álcool. Ou seu desejo, expresso publicamente, de ter sido um músico negro, como Pixinguinha.
Já os relatos da atriz Tônia Carrero e do músico e parceiro Toquinho sugerem que Vinicius vivia em estado quase permanente de arrebatamento. Criou muitos de seus 400 poemas e outro tanto de canções sob o estímulo dos amores. Chegou a se casar nove vezes e sofria ao perceber que o fogo de uma paixão arrefecera. É difícil não se emocionar com o retrato de um poeta que mergulhou na vida de modo tão intenso.


Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "Tropicália - A História de uma Revolução Musical", entre outros livros

Vinicius
   
Direção: Miguel Faria Jr.
Produção: Brasil, 2005
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Morumbi, Top Cine e circuito


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