São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010

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Livro reúne toda a obra de Eckhout

Catálogo traz extensa produção de artista holandês que retratou corte de Maurício de Nassau em Pernambuco

Imagens de canibalismo e frutas tropicais feitas no século 17 difundiram na Europa mitos sobre o estranho novo mundo

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

No paraíso selvagem, mamelucas trajam túnicas de seda branca e levam cestos transbordando de frutas na cabeça. Canibais andam pela selva com pedaços de corpos prontos para o consumo. Nem tudo que Albert Eckhout pintou de fato existiu.
Sua documentação da corte holandesa de Maurício de Nassau, em Recife, beira a fantasia em certos casos, mas levou à Europa a imagem de um mundo tórrido, de cores vivas, quase alucinógenas.
Junto de Frans Post, Eckhout retratou a colônia holandesa em Pernambuco em meados do século 17. Foram alguns poucos anos passados no país que marcaram a identidade desse artista até agora relegado a um segundo plano na história da arte.
Isso porque seus estudos documentais de plantas, aves e frutas nunca romperam a barreira das belas artes. Nem seus retratos um tanto fantasiosos de índios, brancos e negros que se misturavam por aquelas terras.
Mas se Eckhout não chegou aos museus como outros que retrataram o Brasil colônia, sua produção está agora reunida num extenso catálogo, espécie de gênese da difusão de mitos sobre esse novo mundo na velha Europa.
Sua obra, 700 desenhos e pouco mais de 20 pinturas, foi espalhada pela Europa depois da saída holandesa do Brasil. Eram presentes de luxo de Maurício de Nassau a monarcas na França, Dinamarca e até na Polônia, onde caíram no esquecimento.
"Esses quadros foram trocados por cavalos e favores políticos", conta a americana Rebecca Parker Brienen, que reuniu a obra de Albert Eckhout num livro lançado agora pela editora Capivara.
Na época e muito tempo depois, a representação dos índios tapuia, mostrados em atos canibais e sem pudor de carregar por aí membros decepados, chocou a Europa.
Sua "Mulher Tapuya", quadro de 1641, mostra uma índia levando uma perna num cesto nas costas e segurando uma mão amputada. "Isso aparece em quase todas as imagens do Brasil do século 17, todas com referências ao canibalismo", diz a autora. "Era um novo mundo, isso fazia parte da ideia."

CÉU TROPICAL
Embora a representação do horror do canibalismo tenha legado certa fama a Eckhout, foram suas naturezas-mortas que atestaram seu talento colorístico. Mesmo frutos mais apagados e plantas terrosas parecem dotados de exuberância atípica, adensados com a potência da cor.
Em alguns casos, ele troca o estúdio soturno pelo registro ao ar livre, em que fez os primeiros retratos da luminosidade tropical, céus de sol e nuvens radiantes que emolduram o assunto do quadro.
"Essa era uma época de pinturas escuras, de vinho, cerveja e objetos caros espalhados pela composição", diz Parker Brienen. "Mas Eckhout é bastante simples, existe uma grande clareza e certa honestidade na forma."
Mas é uma fidelidade que se restringe a objetos inanimados. Seus retratos dos índios e habitantes da colônia, segundo a autora, têm "enormes doses de invenção".
"Suas índias usam roupas que uma holandesa do século 17 usaria, ele era um pintor holandês", diz Parker Brienen. "Mas isso era para mostrar certa hierarquia civil na colônia, foi o artifício dele."
E quando não estavam ocupados com atos canibais, seus índios perdem a pose de guerreiro e ganham ar mais plácido. São os retratos menos contestados de Eckhout os que mostram homens "sem sede de sangue, que não parecem saltar da tela".

ALBERT ECKHOUT

AUTOR Rebecca Parker Brienen
TRADUÇÃO Julio Bandeira
EDITORA Capivara
QUANTO R$ 190 (432 págs.)


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