São Paulo, sexta, 11 de dezembro de 1998

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"O Sétimo Céu" reabilita o mistério do amor

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Até os anos 60, o cinema francês tinha uma espécie de reserva de mercado sobre o chamado filme de "tema adulto".
Tema adulto, no caso, era vida sexual. Cortesãs, triângulos amorosos, pecadores em geral pululavam nas telas sem grande pudor. É possível que a decadência comercial dessa cinematografia se deva muito mais à liberação dos costumes do que a qualquer outro fator. A censura norte-americana, feroz, afrouxou-se. A sexualidade deixou de ser um terreno misterioso.
Com isso, os franceses passaram a ser uma particularidade do mundo. Mas não é certo que a sexualidade -tudo que envolve as relações afetivas entre dois seres- tenha deixado de ser um assunto misterioso, como vem nos lembrar Benoît Jacquot com "O Sétimo Céu".

Hipnose
Ali estão Mathilde (Sandrine Kiberlain), mulher cleptomaníaca, que nunca conheceu o prazer, e seu marido Nico (Vincent Lindon), que parece não se incomodar profundamente com o problema.
Jacquot evita a convenção e, em vez de convocar um amante para resolver o problema de Mathilde, introduz um especialista em hipnose, que com seus estranhos conselhos (por exemplo: mudar a disposição dos cômodos da casa) termina por liberar Mathilde para o prazer sexual.
No entanto, essa providência é catastrófica, do ponto de vista de Nico, que não apenas não suporta as mudanças na casa, como não consegue mais ter relações sexuais com a mulher a partir do momento em que ela passa a realmente desejá-lo.
Nico experimenta as mudanças como uma traição, e vai ele próprio atrás de um hipnotizador.
Jacquot trabalha seu filme como uma comédia para não rir. Seu grande mérito, no entanto, consiste em trabalhar as relações amorosas como um campo de subentendidos.

Silêncio
O silêncio dos personagens conduz a narrativa. As únicas palavras que parecem contar são as que nunca são ditas. Com isso, Jacquot cria uma tensão capaz de remeter seu espectador ao mistério dos seres, àquilo que neles resiste ao conhecimento.
Daí, possivelmente, os hipnotizadores tomarem o lugar dos psicanalistas.
Estes últimos buscam no inconsciente a resposta para o comportamento humano, já a hipnose ocupa uma área cinzenta.
Não é uma ciência, mas está na base da psicanálise (Freud hipnotizava seus pacientes, nos primórdios) e é movida, igualmente, à base de intuição.
Mais do que a sugestão de charlatanice implícita nos gestos do hipnotizador, o que parece contar para Jacquot é a possibilidade de manter os personagens impermeáveis.
Isto é, não se trata de abordar o psiquismo particular de Mathilde ou Nico, mas de observar os desencontros que a relação amorosa propicia, ao mesmo tempo em que exige dos parceiros um compromisso com o autoconhecimento.
Nesse sentido, este filme realizado com rigor e escrúpulos reata com a tradição francesa do "tema adulto", embora esteja longe de ter o apelo comercial do passado: ao nos lembrar que toda a liberalização dos costumes, antes de representar uma evolução no sentido da transparência nas relações humanas, representa, sobretudo, um deslocamento.
Os humanos continuam impermeáveis, misteriosos, errantes, embora de outra maneira -entender-se com isso continua a ser uma questão atual (e dolorosa).

Filme: O Sétimo Céu
Produção: França, 1997
Direção: Benoît Jacquot
Com: Sandrine Kiberlain, Vincent Lindon
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 3




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