São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS/LANÇAMENTOS

"O QUADRO DA MENINA DE AZUL"

Obra do pintor holandês Johannes Vermeer é a principal personagem do romance

Autora peca pela falta de relevo narrativo

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O que fazer diante de um livro como "O Quadro da Menina Azul"? Ele é escrito com um razoável domínio de linguagem, uma estrutura que funciona e suscita curiosidade, trata com competência mediana do estilo de um pintor e da reconstituição de época. Em suma, é livro correto, legível, mas não muito mais do que isso. Talvez, para falar de determinados livros, fosse preciso adaptar alguns elementos daquele ditado sobre o caminho do inferno, para algo como "de boas intenções, de razoável cultura literária, de corretas fontes de pesquisa e computadores eficientes a estante da mediocridade está cheia", lembrando que a palavra mediocridade qualifica algo que é "sem relevo, nem grande nem pequeno".
"O Quadro da Menina Azul" é isso, um livro nem grande nem pequeno e (quase) sem relevo. De frente para trás, ele conta a história de um quadro desconhecido de um dos mestres da pintura holandesa, Johannes Vermeer (1632-1675). O quadro, saído da imaginação da escritora Susan Vreeland, conteria uma cena doméstica, na qual uma jovem vestida de azul senta-se à beira de uma janela em pose contemplativa.
Em forma de episódios, Vreeland inventa um percurso tortuoso e romanesco para o quadro, retrocedendo ao momento de sua gestação, no século 17. No episódio inicial, um professor tímido rememora a morte do pai, ex-agente de deportação, que havia confiscado o Vermeer de uma família judaica durante a ocupação alemã em Amsterdã. No seguinte, conta-se a história da família antes da deportação vista por uma moça que identifica-se com a jovem retratada. Daí, pula-se para o século 19 e assim por diante até os últimos episódios, em que o pintor e sua filha são personagens.
Mas, na verdade, o quadro em si é o único personagem de fato de todo o romance, o que é, simultaneamente, o charme e o problema do livro. Charme porque a autora consegue infundir uma espécie de espírito à tela, dotando-a de uma qualidade quase transcendental, uma espécie de espelho das aflições humanas.
O problema é que os humanos, por assim dizer, tornam-se meros coadjuvantes da trajetória do quadro, o que dá ensejo para que a escritora despeje em suas carcaças o que quer que lhe vá pela cabeça. Assim, uma agricultora holandesa pobre de dois séculos atrás sofre como uma moça recém-casada dos anos 50 com a frieza do marido, um respeitável pai de família burguês do fim do século 19 emana uma sensibilidade masculina só possível depois da revolução sexual dos anos 60, e, até mesmo a moça do retrato, a filha do pintor, surge como uma pequena feminista fora de época.
Mas, uma vez admitidos e engolidos tais percalços, a leitura anda, e a autora consegue, de alguma forma, nos fazer desejar que o quadro que inventou fosse de verdade, de tal convicção que ela tem sobre sua excelência. E os episódios "Luz da Manhã" e "Das Anotações Pessoais de Adriaan Kuyoers", desbastados alguns arroubos, dariam belos contos.


O Quadro da Menina de Azul
Girl in Hyacinth Blue
  
Autora: Susan Vreeland
Tradutor: Luciano Vieira Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 24 (176 págs.)



Texto Anterior: Banco Santos cria instituto cultural
Próximo Texto: "Na Alcova": Três graus de ousadia feminina vistos através da fechadura
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.