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LIVROS/LANÇAMENTOS
"O QUADRO DA MENINA DE AZUL"
Obra do pintor holandês Johannes Vermeer é a principal personagem do romance
Autora peca pela falta de relevo narrativo
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O que fazer diante de um livro como "O Quadro da Menina Azul"? Ele é escrito com um
razoável domínio de linguagem,
uma estrutura que funciona e suscita curiosidade, trata com competência mediana do estilo de um
pintor e da reconstituição de época. Em suma, é livro correto, legível, mas não muito mais do que
isso. Talvez, para falar de determinados livros, fosse preciso adaptar alguns elementos daquele ditado sobre o caminho do inferno,
para algo como "de boas intenções, de razoável cultura literária,
de corretas fontes de pesquisa e
computadores eficientes a estante
da mediocridade está cheia", lembrando que a palavra mediocridade qualifica algo que é "sem relevo, nem grande nem pequeno".
"O Quadro da Menina Azul" é
isso, um livro nem grande nem
pequeno e (quase) sem relevo. De
frente para trás, ele conta a história de um quadro desconhecido
de um dos mestres da pintura holandesa, Johannes Vermeer
(1632-1675). O quadro, saído da
imaginação da escritora Susan
Vreeland, conteria uma cena doméstica, na qual uma jovem vestida de azul senta-se à beira de uma
janela em pose contemplativa.
Em forma de episódios, Vreeland inventa um percurso tortuoso e romanesco para o quadro, retrocedendo ao momento de sua
gestação, no século 17. No episódio inicial, um professor tímido
rememora a morte do pai, ex-agente de deportação, que havia
confiscado o Vermeer de uma família judaica durante a ocupação
alemã em Amsterdã. No seguinte,
conta-se a história da família antes da deportação vista por uma
moça que identifica-se com a jovem retratada. Daí, pula-se para o
século 19 e assim por diante até os
últimos episódios, em que o pintor e sua filha são personagens.
Mas, na verdade, o quadro em si
é o único personagem de fato de
todo o romance, o que é, simultaneamente, o charme e o problema
do livro. Charme porque a autora
consegue infundir uma espécie de
espírito à tela, dotando-a de uma
qualidade quase transcendental,
uma espécie de espelho das aflições humanas.
O problema é que os humanos,
por assim dizer, tornam-se meros
coadjuvantes da trajetória do
quadro, o que dá ensejo para que
a escritora despeje em suas carcaças o que quer que lhe vá pela cabeça. Assim, uma agricultora holandesa pobre de dois séculos
atrás sofre como uma moça recém-casada dos anos 50 com a
frieza do marido, um respeitável
pai de família burguês do fim do
século 19 emana uma sensibilidade masculina só possível depois
da revolução sexual dos anos 60,
e, até mesmo a moça do retrato, a
filha do pintor, surge como uma
pequena feminista fora de época.
Mas, uma vez admitidos e engolidos tais percalços, a leitura anda,
e a autora consegue, de alguma
forma, nos fazer desejar que o
quadro que inventou fosse de verdade, de tal convicção que ela tem
sobre sua excelência. E os episódios "Luz da Manhã" e "Das Anotações Pessoais de Adriaan Kuyoers", desbastados alguns arroubos, dariam belos contos.
O Quadro da Menina de Azul
Girl in Hyacinth Blue
Autora: Susan Vreeland
Tradutor: Luciano Vieira Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 24 (176 págs.)
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