São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"NA ALCOVA"

Seleção de contos licenciosos reúne autores franceses

Três graus de ousadia feminina vistos através da fechadura

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde o título, "Na Alcova" se oferece como um convite a olhar através da fechadura. Detrás da porta, se encerra a ousadia de cada uma das mulheres que movem esses três contos franceses, escritos entre o fim do século 17 e o começo do 19 e reunidos pelo crítico Samuel Titan Jr. para a Companhia das Letras.
A intimidade de Mariana do Alcoforado, da senhora de R. e da senhora de T. se desvela nas palavras do visconde de Guilleragues (1628-85), Crébillon filho (1707-77) e do barão Dominique Vivant Denon (1747-1825). Três homens pondo em ação desejos femininos que violam regras sociais e amarras morais setecentescas.
Nada próximo do choque proposto pela "filosofia lúbrica" do marquês de Sade em "A Filosofia na Alcova", porém. As mulheres de "Na Alcova" são transgressoras, mas não libertinas no senso comum da palavra, e o grau de permissividade cresce de uma história a outra.
Durante muito tempo, debateu-se a existência da freira Mariana do Alcoforado, signatária das "Cartas Portuguesas" que abrem o volume. No conjunto de cinco epístolas ao amado, a religiosa nos deixa conhecer as aflições que vive após ter-se deixado seduzir por um oficial francês de passagem por seu país.
O atrevimento da mulher, enclausurada no convento, não se resume ao fato óbvio de, sendo religiosa, viver uma aventura sexual. Talvez sua maior audácia seja despir-se do orgulho diante do amante que a abandonou.
Guilleragues dá a Mariana a voz e as contradições do barroco, fazendo-a oscilar entre o amor pelo oficial e o horror que finge ter por ele, para concluir que ama é o amor, ainda que desventurado.
A aristocrata de "O Silfo", por sua vez, usa o território da imaginação para banir as regras. A segunda história é também uma carta, que a senhora de R. escreve à senhora de S., sua amiga e, ao mesmo tempo, rival no jogo social, como sugere a introdução.
Enquanto a amiga vive no "tumulto de Paris, que não lhe concede o prazer de formar uma idéia clara", perdida entre toaletes, a senhora de R. delicia-se sonhando com a visita de um silfo à sua casa de campo, descrevendo à destinatária os prazeres que lhe promete esse ser etéreo.
A possibilidade de isolar-se e evadir-se em um devaneio sobre o amante perfeito oferece à senhora de R. um prazer quase completo, o qual, sendo fantasioso, naturalmente não tem outras barreiras que não as dos próprios valores e desejos da personagem.
Por fim, na terceira história, encontramos um narrador masculino -o que não significa, no entanto, que a trama seja conduzida por um homem.
É justamente em "Por uma Noite" que a licenciosidade feminina recortada no livro atinge seu ápice: a senhora de T. não é tão-somente uma nobre que se distrai com amantes; é também uma rainha dos ardis da sedução, equilibrando convivas e o marido somente para seu prazer.
Quem assistiu a "Os Amantes" reconhecerá facilmente na personagem e na situação descrita -o jogo noturno travado por um casal recém-formado, ambientado numa casa de campo- o argumento emprestado por Louis Malle para o filme de 1958, estrelado por Jeanne Moreau.
Discreto, Titan deixa suas considerações e a contextualização do conjunto para o final, amarrando num claro posfácio as três histórias, das quais é também tradutor.


Na Alcova     
Autores: Guilleragues, Crébillon e Denon
Tradução: Samuel Titan Jr. (org.)
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 19 (112 págs.)




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