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LIVROS/LANÇAMENTOS
"NA ALCOVA"
Seleção de contos licenciosos reúne autores franceses
Três graus de ousadia feminina
vistos através da fechadura
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Desde o título, "Na Alcova"
se oferece como um convite
a olhar através da fechadura. Detrás da porta, se encerra a ousadia
de cada uma das mulheres que
movem esses três contos franceses, escritos entre o fim do século
17 e o começo do 19 e reunidos pelo crítico Samuel Titan Jr. para a
Companhia das Letras.
A intimidade de Mariana do Alcoforado, da senhora de R. e da
senhora de T. se desvela nas palavras do visconde de Guilleragues
(1628-85), Crébillon filho (1707-77) e do barão Dominique Vivant
Denon (1747-1825). Três homens
pondo em ação desejos femininos
que violam regras sociais e amarras morais setecentescas.
Nada próximo do choque proposto pela "filosofia lúbrica" do
marquês de Sade em "A Filosofia
na Alcova", porém. As mulheres
de "Na Alcova" são transgressoras, mas não libertinas no senso
comum da palavra, e o grau de
permissividade cresce de uma
história a outra.
Durante muito tempo, debateu-se a existência da freira Mariana
do Alcoforado, signatária das
"Cartas Portuguesas" que abrem
o volume. No conjunto de cinco
epístolas ao amado, a religiosa
nos deixa conhecer as aflições que
vive após ter-se deixado seduzir
por um oficial francês de passagem por seu país.
O atrevimento da mulher, enclausurada no convento, não se
resume ao fato óbvio de, sendo religiosa, viver uma aventura sexual. Talvez sua maior audácia seja despir-se do orgulho diante do
amante que a abandonou.
Guilleragues dá a Mariana a voz
e as contradições do barroco, fazendo-a oscilar entre o amor pelo
oficial e o horror que finge ter por
ele, para concluir que ama é o
amor, ainda que desventurado.
A aristocrata de "O Silfo", por
sua vez, usa o território da imaginação para banir as regras. A segunda história é também uma
carta, que a senhora de R. escreve
à senhora de S., sua amiga e, ao
mesmo tempo, rival no jogo social, como sugere a introdução.
Enquanto a amiga vive no "tumulto de Paris, que não lhe concede o prazer de formar uma idéia
clara", perdida entre toaletes, a senhora de R. delicia-se sonhando
com a visita de um silfo à sua casa
de campo, descrevendo à destinatária os prazeres que lhe promete
esse ser etéreo.
A possibilidade de isolar-se e
evadir-se em um devaneio sobre o
amante perfeito oferece à senhora
de R. um prazer quase completo,
o qual, sendo fantasioso, naturalmente não tem outras barreiras
que não as dos próprios valores e
desejos da personagem.
Por fim, na terceira história, encontramos um narrador masculino -o que não significa, no entanto, que a trama seja conduzida
por um homem.
É justamente em "Por uma Noite" que a licenciosidade feminina
recortada no livro atinge seu ápice: a senhora de T. não é tão-somente uma nobre que se distrai
com amantes; é também uma rainha dos ardis da sedução, equilibrando convivas e o marido somente para seu prazer.
Quem assistiu a "Os Amantes"
reconhecerá facilmente na personagem e na situação descrita -o
jogo noturno travado por um casal recém-formado, ambientado
numa casa de campo- o argumento emprestado por Louis Malle para o filme de 1958, estrelado
por Jeanne Moreau.
Discreto, Titan deixa suas considerações e a contextualização do
conjunto para o final, amarrando
num claro posfácio as três histórias, das quais é também tradutor.
Na Alcova
Autores: Guilleragues, Crébillon e
Denon
Tradução: Samuel Titan Jr. (org.)
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 19 (112 págs.)
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