São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2002

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"PERSONAE"

Coletânea de ensaios radiografa personagens da ficção brasileira

MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Personae", termo latino que significa máscaras, é o título encontrado pelo jornalista Lourenço Dantas Mota e pelo professor Benjamin Abdala Junior para alcunhar esta coletânea de 12 ensaios sobre alguns dos maiores personagens da literatura nacional. Curiosamente nenhum dos textos discute o que é, afinal, um personagem, esse ser de ficção, essa criatura, para usarmos uma expressão da moda, virtual, calcada na realidade e que parece existir de verdade.
Os 12 caracteres escolhidos aqui parecem de fato ter vida própria. Tanto que a maioria de seus intérpretes preferiu o estilo biográfico para descrevê-los. Segundo o prefácio, a inspiração foi o espanhol Miguel de Unamuno, autor de "Vida de Dom Quixote e Sancho".
Unamuno chegou a observar: "Eu digo que para que Cervantes contasse sua vida e eu a explicasse e comentasse nasceram Dom Quixote e Sancho". Como nesse caso, a trajetória de muitos dos personagens de "Personae" se confunde com a dos escritores que os conceberam.
Clarice Lispector visitou, como Macabéa, uma cartomante e imaginou para si um desfecho trágico, semelhante ao que inventou para a protagonista de seu romance "A Hora da Estrela". Policarpo Quaresma era nacionalista e dado a acessos de loucura como seu criador, Lima Barreto.
Além disso, tal como há os laços de afinidade unindo Quixote e Unamuno, os personagens de "Personae" encontram para si velhos conhecidos, comentadores que lhes conhecem de longa data. Marisa Lajolo, "biógrafa" de Emília, é especialista em Monteiro Lobato. Walnice Nogueira Galvão, autora do ensaio sobre Riobaldo, é responsável pela edição crítica de "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa.
As máscaras de "Personae" também escondem questões sociais mais profundas, como atestam ensaios de Silviano Santiago e Benjamin Abdala Junior, por exemplo: Iracema é o símbolo sacrificial de união de Pindorama com os invasores europeus e Paulo Honório (de "São Bernardo", romance de Graciliano Ramos) retrata "a própria burguesia brasileira, dividida entre as forças conservadoras e as do progresso".
Todos esses personagens oferecem aos comentadores e a nós, leitores, uma face de esfinge: "Decifra-me ou devoro-te!", parecem provocar. Não há limite aqui para as indagações e para as outras máscaras possíveis, não incluídas no volume, como a escrava Isaura, Quincas Borba, João Miramar, Ana Terra, Gabriela. Personagem também é espelho e abismo.


Personae: Grandes Personagens da Literatura Brasileira
   
Organizadores: Lourenço Dantas Mota e Benjamin Abdala Junior
Editora: Senac
Quanto: R$ 40 (330 págs.)



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