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SHOW/CRÍTICA
Paulinho da Viola e Nó em Pingo d'Água dão início à turnê de novo disco do grupo
Um repertório de novos choros que existem desde sempre
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"Ué : "Sinal Fechado" agora
é choro?", questionava
um entendido, na saída do
show. A pergunta diz mais do
que sabe, talvez. Na versão do
Nó em Pingo d'Água, a clássica
enigmática canção de Paulinho
da Viola -que é e não é samba-canção- volta ou vai para o
choro também. Leva a canção a
um limite de si e faz reverter sobre o próprio Paulinho suas lições de ecologia musical: a auto-sustentação do repertório, pela
renovação natural dos recursos.
"Mas não me altere o samba tanto assim", cantarolava uma amiga, bem-humorada, em resposta. O próprio compositor, como
sempre, era o mais bem-humorado de todos, muito à vontade,
de branco no meio da rapaziada
de preto. Todos nas brumas, claro, porque alguma lei insondável decretou há décadas que
show de música popular precisa
de gelo seco e fachos de luz, sem
falar nas mandalas.
Era o primeiro espetáculo da
turnê de lançamento do novo
disco do Nó em Pingo d'Água,
só com músicas de Paulinho da
Viola (mais uma de seu pai, César Faria). E o auditório do
Sesc/Vila Mariana estava lotado
na sexta, como era previsível.
Não bastasse tudo o que já fez,
depois do filme de Izabel Jaguaribe e Zuenir Ventura, Paulinho
da Viola virou um amigo querido de todos. Mais do que isso:
sua figura torna concreta certa
aspiração de harmonia na vida,
uma verdade ideal do país, negada dia após dia pelas desarmonias (sobre isso, vale a pena ler a
resenha de Milton Ohata, na última revista "Novos Estudos").
Tal harmonia passa também
pelas harmonias propriamente
ditas. Seja em números consagrados, como "Sarau pra Radamés" e "Beliscando", seja em
novidades como "Chuva Fina
Também Molha" e "Lembrança
de Jonas", as harmonias de Paulinho têm algo do espírito não-coercitivo, da convivência respeitosa e afetiva que a gente agora sabe que não é só da música, é
do autor. No meio do sol, vêm os
cromatismos, as nostalgias; mas
também no meio do lamento
pinga um acorde alterado, nascem modulações para reconstituir o equilíbrio. Nada se perde,
tudo se transforma: isso agora
virou um provérbio do coração.
Na vida real não é sempre assim, a começar pelas perdas musicais. Santo Nó em Pingo d'Água, então, que faz ouvir o gênio
de Paulinho compositor. Mesmo numa noite de estréia, com
inevitáveis nervosismos, mesmo
se as coisas não chegaram a decolar com a leveza transcendental que se sonha, o que se ouviu é
um repertório tão forte que custa lembrar que esses choros não
existem desde sempre, não foram compostos por Deus no
céu, ou Pixinguinha em Catumbi. E sambas: porque Paulinho
também cantou coisas como
"Dança da Solidão" (novos lindos acordes no início) e "Timoneiro" (arranjo arrojado) -e
um samba novo, meio bossa-nova, ainda sem nome.
Que o show ainda não estava
no ponto foi óbvio. O grupo teve
de recomeçar uma música, certa
estrofe foi cantada com a harmonia do refrão, coisas assim.
Não têm maior importância.
Passada a estréia, tudo cai mais
fácil nos dedos. Cai na consciência desde já: centrada e sorridente, no meio de tantas lembranças
-Radamés, Jonas, Jacob, Rabello- e agora no meio da moçada, a figura de Paulinho da Viola
nos concede sem esforço a sua
arte, que volta ou vai para o choro como quem diz amém.
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