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ROMANCE/"MICHAEL E PAULINE: UM CASAMENTO AMADOR"
Anne Tyler lida com sutilezas da vida
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Há uma velha discussão nas
letras anglo-americanas, sobre se a melhor literatura é feita
por autores que valorizam o enredo ou por aqueles que priorizam
os elementos poéticos, o apuro da
forma em vez do deslumbramento do conteúdo.
Para alguns, a discussão nem
existe. O fato de um autor centrar-se excessivamente no enredo, e
pior, centrar-se nele para arrancar
ao leitor emoções "fáceis" de horror e compaixão, já basta para
lançá-lo ao limbo dos escritores
de apelo popular. Talvez por isso
um romancista como John Steinbeck nunca tenha sido verdadeiramente apreciado pela "alta" crítica, sobretudo quando comparado a, digamos, William Faulkner.
Anne Tyler é autora muito mais
do time de Steinbeck do que de
Faulkner, como comprova seu último romance, "Michael e Pauline: Um Casamento Amador".
Matrimônio, brigas e separações,
sonhos que se esfumaçam, mágoas, o desconhecimento sobre o
ser amado: a autora não teme lidar com o demasiado humano.
No centro está a história banal
de Michael e Pauline. Conhecem-se quando os EUA entram na Segunda Guerra. Casam-se após a
volta de Michael da batalha. Vivem juntos três décadas, têm três
filhos, netos. Um dia separam,
inesperadamente, suas existências nunca realmente unidas.
Apesar das décadas de casamento, Michael nunca compreendeu Pauline. E vice-versa. A
constante variação dos pontos de
vista serve para ampliar a percepção da incerteza: quando acompanhamos a perspectiva de Michael, Pauline nos parece voluntariosa, enigmática; quando são os
passos de Pauline que seguimos,
Michael surge como homem frio,
egoísta... e misterioso.
Tyler é mestre na delicadeza.
Em certo momento, o motivo da
traição se delineia. Pauline está
aborrecida com o cotidiano de
dona-de-casa e interessa-se por
um amigo. Um dia, passa na casa
dele para ajudá-lo em tarefas domésticas. A Michael, diz ter visitado a mãe. O jantar do casal é carregado de silêncios e não-ditos.
Pauline está a sós na sala quando o telefone toca. É sua mãe. Michael não lhe dera o recado? Ela ligara à tarde para dizer que a irmã
dera à luz. Pauline atina com a situação. Michael soubera que ela
lhe mentira, mas não a confrontara. A muda acusação sufoca o
adultério ainda no berço. Mas é
como se tudo houvesse ocorrido.
Tyler usa a mesma sutileza no
terreno sub-reptício de seu romance, o da passagem do tempo.
Os anos provocam alterações em
Michael e Pauline. No entanto,
ambos permanecem coesos em
seu mistério. O "amador" do título remete a essa condição.
Apesar da experiência que adquirem com a idade, continuam
amadores, neófitos nas matérias
da vida. A vida começa, a vida termina, e entre esses dois marcos
iniludíveis, transcorre a profunda
ignorância do ser humano, sua
vasta inadequação, que nada nem
ninguém consegue alterar. Tyler
lida com isso. E se se trata ou não
de uma autora popular, essa é
uma questão para outros críticos.
Michael e Pauline: Um Casamento Amador
Autora: Anne Tyler
Tradução: Sergio Viotti
Editora: Arx
Quanto: R$ 45, em média (392 págs.)
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