São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2005

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LIVROS

POESIA

Literatura da América Latina permeia "Rastros de Luz" e "Jardim de Camaleões"

Obras permitem nova visão sobre a tradição neobarroca

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Rastros de Luz" reúne em um volume três livros da poeta Coral Bracho: "Peixes de Pele Fugaz" (1977), "O Ser que Vai Morrer" (1982) e "Terra de Entranha Ardente" (1992). Considerada um dos expoentes da literatura mexicana contemporânea, Bracho pertence a uma tradição periférica na poesia brasileira, porém central na tradição hispano-americana: o neobarroco. Para avaliar melhor seu trabalho e contexto, um bom caminho é "Jardim de Camaleões: A Poesia Neobarroca na América Latina", antologia organizada por Claudio Daniel, com ensaios introdutórios do cubano José Kozer e de Haroldo de Campos -que cunhou o termo "neobarroco" antes que ele surgisse no âmbito hispano-americano, com Severo Sarduy.
O conceito foi questionado por estudiosos do barroco, para quem a "atualização" de procedimentos estéticos supostamente presentes no século 17 não passaria de um anacronismo, de uma projeção no passado de valores literários contemporâneos. E talvez o barroco dos neobarrocos jamais tenha existido, mas isso não impediu que essa poética -fundada numa linguagem convulsiva, saturada e fragmentária, característica do barroco como categoria "transhistórica"- se transformasse num interpretante das contradições entre arcaico e moderno do Novo Mundo.
"Jardim de Camaleões" mostra que o neobarroco não é um movimento (no sentido normativo), mas a expressão dessa experiência histórica paradoxal, que consiste em transtornar os determinismos locais incorporando "antropofagicamente" outras culturas -e fazendo dessa incorporação um traço latino-americano.
Daí a variedade de dicções presente na antologia, que inclui cubanos como Lezama Lima e Severo Sarduy, brasileiros como Josely Vianna Baptista, Paulo Leminski e Horácio Costa, o uruguaio Roberto Echavarren, o argentino Nestor Perlongher, entre outros.
Presente na antologia, Coral Bracho corresponde a um aspecto específico dessa tendência. Em "Rastros", a poeta busca dissolver o dualismo sujeito-objeto por meio de estados de percepção em que a natureza e as coisas adquirem predicados humanos (daí as imagens carregadas como "carne sibilante dos salgueiros" e "chuva de cipós ébrios"). Ao mesmo tempo, seu "eu lírico" se dessubjetiva, transforma-se em suporte carnal para as sensações e para uma poesia que deseja se inscrever na pele feito tatuagem (lugar-comum da poética neobarroca).
Há algo de visionário em Bracho, mas que se dá sobretudo no plano do conteúdo, naquilo que é dito -e não no "modo" como é dito. Assim, num dos poemas metalingüísticos do livro, ela descreve "o deleite das formas/ em sua contigüidade escarpada, em sua abissal/ proximidade", como um "gozo dos contrários". O jorro verbal da poesia de Bracho, porém, engole tudo num turbilhão, deixando pouco espaço para escarpas e contrastes.


Rastros de Luz
  
Autor: Coral Bracho
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Mirabilia/Olavobrás
Quanto: R$ 35 (176 págs.)

Jardim de Camaleões: A Poesia Neobarroca na América Latina
   
Organização: Claudio Daniel
Tradução: Claudio Daniel, Luiz Roberto Guedes, Glauco Mattoso
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 44 (256 págs.)


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