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Galpão troca farsa por drama
Aos 25 anos, grupo deixa a comédia e dá espaço a atuação realista em sua nova peça, "Pequenos Milagres"
Coletivo recortou quatro tramas dentre 550 relatos reais para dar corpo a peça que estréia dia 29, em MG, dirigida por Paulo de Moraes
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE
São 25 anos de um teatro popular protagonizado por experientes artistas nos domínios
da rua, do circo ou da farsa. Mas
as bodas de prata do Grupo Galpão, em 2007, chegam com a
marca do drama, contraface
que o prestigiado coletivo de
Belo Horizonte trouxe pouco a
público em sua história.
"Pequenos Milagres", o 16º
espetáculo do grupo, é pontuado por epifanias do cotidiano
de mulheres e homens de um
Brasil passado e presente. São
"histórias de quintal", diz o diretor convidado Paulo de Moraes, 41, da Armazém Companhia de Teatro (RJ). Ele assina
o texto final com o escritor
Maurício Arruda Mendonça.
A dramaturgia é o sumo da
campanha "Conte Sua História", lançada pelo grupo em
agosto. Foram recolhidos 550
relatos, a maioria de gente comum interessada em participar
da criação comemorativa.
Doze histórias norteiam à
exaustão os improvisos dos
atores. Quatro delas efetivamente dão corpo ao projeto.
Em "Cabeça de Cachorro",
um garoto cumpre um inusitado rito de passagem: vai de ônibus do interior à capital, sozinho, levando uma cabeça de
cão na sacola. Sua missão é entregá-la a um tio para exame de
raiva. O animal atacou o irmão
mais novo. Essa história costura mais três. "O Pracinha da
FEB" traz as memórias de um
soldado das Forças Expedicionárias Brasileiras que sobreviveu aos ataques na campanha
da Itália (1944-55) contra o nazifascismo, durante a Segunda
Guerra. A perda de um amigo
no front deixa seqüelas, mas a
vida lhe reserva surpresas.
"O Vestido" expõe a trajetória de uma mulher a partir da
infância, quando não gostava
de usar vestido de chita e sonhava com um vestido que vira
numa procissão, de tafetá com
rendas. Sua fé atravessa o futuro para, enfim, colocar o corpo
no lugar mais seguro do mundo: aquele vestido. A quarta história é a do "Casal Náufrago",
um homem e uma mulher que
estão à beira da separação, mas
que têm as esperanças reavivadas quando ele é sorteado para
participar de um programa televisivo que distribui dinheiro.
"Buscamos aqueles momentos em que a vida de uma pessoa pode dar uma guinada, ou
não. É como aquela cena da bola de tênis parada sobre a rede
no filme "Match Point", do
Woody Allen", diz Moraes, 41.
"Num momento em que o
mundo valoriza celebridades, é
um prazer inverter essa expectativa com a história de pessoas
anônimas", diz o ator Chico Pelúcio, 47.
Se depender do ensaio a que a
Folha assistiu dias atrás, o que
se desenha para a estréia no
próximo dia 29, no Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte
(depois segue para outras cidades), é um trabalho que pode
surpreender pelo risco a que o
Galpão se lança. Como fez em
"Álbum de Família" (1990), de
Nelson Rodrigues, com direção
de Eid Ribeiro, e em "Partido"
(1999), adaptação de Cacá
Brandão para "O Visconde Partido ao Meio", com direção de
Cacá Carvalho.
A começar pelo registro da
interpretação. Sem os microfones, o tom de voz, a enunciação
e os gestos corroboram o drama de intimismo, com platéia
próxima. "É para ver o ator nos
olhos", dá a senha Eduardo
Moreira, 46, um dos fundadores do grupo. "Escolhemos limpar a atuação excessivamente
teatral. É um despojamento
que às vezes lembra cinema."
Moraes é hábil nesse tratamento, vide encenações como
"Toda Nudez Será Castigada" e
"Pessoas Invisíveis". São recursos que, aqui, não anulam a
presença do ator. Mesmo porque o diretor é um deles (bissexto) na Armazém. Como o
Galpão é um grupo de atores,
sem diretor de proa, o encontro
de modos de criação instiga os
dois lados, em meio a tintas de
realismo, um sino de igreja e
uma música de jazz.
O jornalista VALMIR SANTOS viajou a convite
do Galpão Cine Horto.
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