São Paulo, sábado, 12 de março de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE Exatidão da narrativa em "Minuto de Silêncio" expõe o laconismo da tragédia MARCELO BACKES ESPECIAL PARA A FOLHA Siegfried Lenz, 85, que só chegara em contos de antologia, enfim chega em livro ao Brasil. E "Minuto de Silêncio" prova que, apesar do atraso, Lenz tem a estatura de seus conterrâneos nobelizados Günter Grass e Hein- rich Böll (1917-1985). Novela breve, formalmente conservadora, "Minuto de Silêncio" aproveita a poesia de um mundo em que se pisoteia linguados, se procura âmbar na areia e as pessoas tentam "fisgar" os olhares umas das outras. Conta do amor entre a professora de inglês Stella e seu aluno Christian, pescador de pedras, que vai ao fundo do mar em busca de material para construir molhes numa região em que o turismo cresce. Estamos em meados de 1970 no norte da Alemanha, ainda se paga em marcos e os quiosques vendem jornal. A tragédia é anunciada desde o princípio -desde o título, na verdade-, e já encontramos os alunos reunidos numa sala do liceu para o culto fúnebre à falecida Stella, enquanto Christian monologa sobre o presente e volta ao passado em transições fluidas. Há várias referências literárias, mas a principal, a "Pequena Sereia" de Andersen (1805-1875), não é citada. O amor irrompe naturalmente entre o casal desigual. Nada se diz do passado de Christian, e bem pouco do de Stella, filha de um nazista. TEMPESTADE Ela titubeia, ele não consegue dizer "eu te amo"; só pergunta se pode bater à sua porta e não esquece o travesseiro em que as duas cabeças se aconchegaram deixando apenas uma marca. Mas a tempestade báltica desce sobre o mar em calmaria. A sereia -já no princípio Stella é desenhada com rabo de peixe- é abatida junto a um dos molhes pelo mastro do barco em que viaja com amigos. O diletantismo dos navegadores do Estrela Polar (que fica claro apenas no nome bobo do barco) desafia por demais o elemento desconhecido. Stella ainda agoniza inconsciente no hospital, mas certo dia Christian encontra a cama vazia e a cadeira dos visitantes "como se estivesse esperando por mim". Num cartão recebido postumamente, a promessa do amor faz a perda doer ainda mais. Christian decide que não contará de seu enlace a ninguém, porque as coisas que nos fazem felizes devem "ser guardadas em silêncio". O funeral é no fundo do mar, e ele não pode ir ao encontro de sua sereia -invertendo a fábula de Andersen- porque ela está morta. Nada é patético na novela de Lenz, escritor multipremiado que sempre cortejou o fracasso -tanto em seus contos quanto nos romances- e disse um dia que ir para a cama não provava nada acerca do amor. Tudo é limpidez e clareza, e a dor tanto mais intensa. A exatidão realista sedimenta o laconismo da tragédia. "Minuto de Silêncio" é a novela de uma época em que alunos ainda se apaixonam por professoras e mostra como o verdadeiro erotismo -em tempos de sexualidade devassada- pode estar no que é mais casto. Uma vitória da narração à moda antiga. MARCELO BACKES é escritor e tradutor, autor de "Estilhaços" e "Três Traidores e uns Outros", entre outras obras MINUTO DE SILÊNCIO AUTOR Siegfried Lenz EDITORA Rocco TRADUÇÃO Kristina Michahelles QUANTO R$ 29 (128 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Livros - Crítica/Romance: Obras de Schnitzler retratam desencantos da burguesia Próximo Texto: Crítica/Romance: Enrique Vila-Matas cria intrigante exercício de irreverência Índice | Comunicar Erros |
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