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"BOA COMPANHIA"
Contos traçam frustração cotidiana
DO CRÍTICO DA FOLHA
A menina diz à mãe que fora
agredida por um coleguinha
de escola. A mãe esbraveja, conta
à família, promete providências.
Noutro dia, a garota expõe mais
atrocidades perpetradas por Wallace, o agressor. Beliscões nas nádegas, inclusive. É demais.
Os pais falam com a diretora do
colégio. Exigem uma atitude. A
diretora ouve calmamente. Pede
para ver as supostas lesões. Os
pais procuram, mas nada acham.
"Wallace?", a diretora se pergunta; e declara: "Não temos nenhum
aluno com esse nome...".
A situação narrada no conto
"Wallace", de Lívia Garcia-Roza,
revela um dos temas comuns às
histórias de "Boa Companhia": os
limites imprecisos entre o que é o
que gostaríamos que fosse.
Em "O Cavalo Imaginário", de
Moacyr Scliar, colunista da Folha, um jovem humilde cria um cavalo
de mentira, para emular seus colegas, donos de puros sangues.
Em "A Vida de um Homem Normal", Bernardo Carvalho, também colunista da Folha, nos traz
um personagem que ouve vozes,
mas não as alardeia. Em "Doutor", de Luiz Schwarcz, o sonho
de uma mãe de ver seu filho tornar-se médico precisa ser adaptado à realidade.
Este último conto oferece uma
ponte para entendermos melhor
o mecanismo por trás do fabrico
da ilusão. Como a mãe de "Doutor", muitos personagens cercam-se de aspirações irrealistas
para escapar a um cotidiano que
lhes é mesquinho; mergulham na
imaginação para fugir do mundo.
A adolescente de "O Meu Quarto", de Ana Miranda, por exemplo, refugia-se entre os objetos
queridos de seu quarto. O psicanalista de "O Embrulho da Carne", de Sérgio Sant'Anna, acusa a
paciente de estar usando a loucura "para se defender do mundo".
A fuga à realidade não é tema
incomum na literatura, bastando
lembrarmos de "Madame Bovary", onde o choque entre a expectativa de Emma por uma vida
glamourosa e o cotidiano acanhado conduz a resultados trágicos.
Passados quase 150 anos da publicação do livro de Flaubert, a sociedade burguesa, hoje globalizada,
parece não ter logrado munir seus
constituintes dos meios necessários para a superação das frustrações por ela mesma geradas.
Como sói ocorrer em coletâneas, o conjunto é irregular. Há
histórias medianas e outras boas,
como a de Bernardo Carvalho,
Garcia-Roza e Ana Miranda.
Duas parecem excepcionais: a de
Heloisa Seixas e a de Amilcar Bettega Barbosa.
(MARCELO PEN)
Boa Companhia
Autores: vários
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 21 (126 págs.)
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