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TEATRO
"A Paixão Segundo G.H.", adaptada de texto de Clarice Lispector por Fauzi Arap, dá chave de interpretação inovadora
Montagem altera percepção da realidade
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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A atriz Mariana Lima faz a dona-de-casa da peça "A Paixão Segundo G.H.", dirigida por Enrique Diaz, em cartaz no Sesc Belenzinho |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Clarice Lispector (1920-77)
fascina pela ambiguidade.
Em "A Paixão Segundo G.H.",
uma dona-de-casa entediada resolve fazer faxina no quarto de
empregada e se depara com uma
barata. Esse fato banal desencadeia uma lisérgica reflexão sobre a
natureza humana, descamando o
cotidiano cada vez mais profundamente.
Uma adaptação teatral, para ficar à altura desse texto, depende
de dois elementos: é preciso uma
encenação vigorosa que dê conta
dessa metamorfose do real, mas,
por outro lado, uma atriz que
consiga manter a verossimilhança
do relato, sem ceder à declamação
da densa poesia que se depreende
da angústia de Lispector.
A montagem atual no Sesc Belenzinho preenche totalmente esses requisitos, contando ainda
com a adaptação de Fauzi Arap,
que tem o raro privilégio de ser
cúmplice da autora. A experiência
que ambos compartilharam -segundo relata Arap, o consumo de
LSD sob supervisão terapêutica- dá uma chave de interpretação inovadora. Não se trata mais
de uma deformação estilística,
nos moldes de um realismo fantástico, mas do relato de uma busca dos limites da percepção, algo
como se Proust houvesse trocado
a madeleine por uma barata.
Remove-se do texto original,
portanto, tudo o que não relate esse despojamento das garantias do
cotidiano, em uma progressão
gradual e inexorável. Mariana Lima apresenta G.H. antes de tudo
como uma mulher aflita, tímida
diante do enorme enigma que
precisa compartilhar. Seu tom é
de um realismo cinematográfico,
parece esquecer o texto a cada instante, olhando nos olhos o público que está em cena com ela, em
sua sala de estar.
Logo, no entanto, o público é
convidado a trocar esse set de filmagem por outros, cada vez mais
terapêuticos, segundo o recurso
itinerante do Teatro da Vertigem,
de onde vêm não só a atriz mas o
iluminador Guilherme Bonfanti e
o cenógrafo Marcos Pedroso. Percorrendo um longo corredor, no
qual alguns elementos realistas
ainda remetem ao mundo real,
chega-se à branca "nowhere land"
do quarto de empregada.
Aqui, somos tragados pelo expressionismo das arenas de Francis Bacon. Sombras são lidas como hieróglifos, e a própria figura
esguia de Pierrot lunar de Lima se
contorce em nojo e na transubstanciação do banal em experiência mística.
O diretor Enrique Diaz tem o raro talento de distinguir qual a responsabilidade da atuação, que
não fica ofuscada pela encenação,
e qual o momento em que o espetacular tem que estabelecer a maravilha. Quando parece que o despojamento bastaria, o vídeo de
Carolina Jabor injeta LSD em nossas veias, e o mundo deixa de ser
confiável.
Quando somos devolvidos ao
corredor, ele está diferente. O que
parecia ser mera indicação realista já se tornou um incômodo lembrete da inconfiabilidade do real.
"A Paixão Segundo G.H." altera
nossa percepção do mundo. Não
há maior elogio que se possa fazer
em arte.
A Paixão Segundo G.H.
Texto: Clarice Lispector
Adaptação: Fauzi Arap
Direção: Enrique Diaz
Com: Mariana Lima
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro
Ramos, 615, Quarta Parada, tel. 6602-3700)
Quando: sáb. e dom., às 21h; até 1º/6
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
Patrocinador: Banco do Brasil
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