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"KAZUO OHNO"
Livro celebra criação inefável do mestre
DO CRÍTICO DA FOLHA
Em 1980 , no Festival de Nancy
(França), Antunes Filho, que
estava lá para apresentar seu "Macunaíma", interessou-se em ver a
primeira apresentação ocidental
de Kazuo Ohno, em seu espetáculo de butô, até então um conceito
desconhecido, entre teatro e dança. Segundo as palavras de Antunes, "as portas do inefável se
abriam para mim".
Tecido de memórias, tendo a
morte como pano de fundo, o butô é muito mais uma visão do universo do que uma técnica formal,
apesar da proliferação de "escolas
de butô" que se seguiram a partir
do momento em que o Sesc Consolação trouxe para o Brasil o espetáculo visto por Antunes, "Admirando la Argentina", em 1986.
Ohno viria mais três vezes ao
Brasil e, em todas elas, deixou
marcas profundas, inclusive em
criadores como Tomie Ohtake e
Ivaldo Bertazzo. O livro da Cosac
& Naify documenta essas passagens, sobretudo através das fotografias de Emidio Luisi.
A rigor, bastariam as imagens: o
movimento explicado por si, pelo
registro da sensível câmera de
Luisi e encadernadas com paixão
em um processo semi-artesanal,
em papel raro e tiragem limitada.
Mas a organizadora e crítica da
Folha Inês Bogéa, melhor do que
tentar expressar o inefável em explicações redutoras, quis registrar
a arte de Ohno através das impressões dos que se iluminaram
com ele, além de traçar, na abertura do volume, a trajetória do
butô e de seu criador.
O que se revela, portanto, em
textos e imagens, é mais o processo e sua recepção do que um espetáculo-produto. Bogéa, contagiada pela simplicidade e ternura de
Ohno, é precisa e envolvente em
sua definição do butô (apontando
influências de Isadora Duncan e
do expressionismo alemão) que
Ohno concebe em conjunto com
Tatsumi Hijikata a partir de 1960,
seguida pelo registro cronológico
das obras, e passa rapidamente a
palavra ao próprio Ohno, através
de importantes entrevistas.
Nelas, Ohno evoca suas memórias, matéria-prima de seus espetáculos -sobretudo, as lembranças de sua mãe-, festeja a parceria com seu filho Yoshito (que
também aparece nas fotos) e
compartilha conceitos importantes, como a semelhança entre o
butô e o bunraku, tradicional teatro de bonecos: assim como a roupa do boneco dá vida ao corpo de
madeira, o que dá vida ao corpo
do bailarino é o universo que o
circunda.
Os depoimentos que se seguem,
de Antunes Filho (que é muito revelador da estética do próprio Antunes) e Emidio Luisi consagram
um gênio criador sem nenhuma
auto-mistificação. Ohno é um
mestre na concepção de Guimarães Rosa, não aquele que ensina
sempre, mas "aquele que, de repente, aprende".
Entre outras virtudes, portanto,
o livro "Kazuo Ohno" celebra a
criação artística como uma experiência vital, sem garantias de resultados definitivos, mas em eterna transformação, no inefável e
na memória.
(SERGIO SALVIA COELHO)
Kazuo Ohno
Autores: vários
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 69 (160 págs.)
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