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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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FESTIVAL É TUDO VERDADE

Filme evoca trauma infantil

"Exílio em Sedan" revela "segredo atrás da porta"

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Michaël Gaumnitz adentra os cômodos escuros e insalubres da casa em que passou a sua infância infeliz. Ele busca um "segredo atrás da porta", o segredo que levou seu pai a perpetuar com a família todo o medo, brutalidade e humilhação que sofreu, na juventude, nos campos de concentração nazistas.
"Exílio em Sedan", o pequeno "filme de família" de Gaumnitz, nos fala de um trauma de infância que coincide com um trauma histórico. Mas, sem querer, nos fala da própria história do cinema.
Voltemos ao "segredo atrás da porta". Quando o crítico francês Serge Daney pretendeu encontrar nessa fórmula uma síntese da eterna promessa de mais a ver, da profundidade perpetuamente forjada do cinema clássico do pré-Segunda Guerra, ele o fez para constatar que a descoberta dos campos de concentração e de sua realidade era o derradeiro "segredo atrás da porta" que o cinema do pré-guerra anunciava.
Tendo revelado, na guerra, sua índole propagandística e manipulatória, tendo-se tornado uma arma, o modelo clássico se esgotara. Nascido das ruínas, o dito cinema moderno europeu nunca deixaria de portar o luto na memória.
Culpa, vergonha, horror: os sentimentos que Gaumnitz herdou, inconscientemente, do pai são comuns aos cineastas europeus do pós-guerra. Para fazer as pazes com a memória do pai carrasco, Gaumnitz busca o "segredo atrás da porta", mas sabe, de antemão, que o que vai descobrir é algo de inominável, algo que seu pai nunca conseguiu expressar.
Afinal, o que teria acontecido na guerra para que seu pai, um alemão não-judeu, se mandasse com a família, no pós-guerra, para a cidade francesa (Sedan) mais hostil aos alemães e lá se deleitasse com a humilhação? O que teria acontecido para que se instalasse numa casa suja e lúgubre? O que teria acontecido nos campos de concentração para que ele, outrora talentoso pintor, passasse a evitar a pintura? E, uma vez que a história do (auto)exílio do pai começa por ser a da infância humilhada do filho, o mais importante: por que não conseguia ele dar afeto nem mesmo aos próprios filhos?
Após a morte do pai, que viveu os últimos anos trancado em seu quarto como um prisioneiro, Gaumnitz procura descobrir o que é que este tanto calava. Começa por tentar fazer com a própria família uma espécie de terapia de regressão, reavivando um pouco da perpétua sensação de medo e vergonha que o pai transferia para os seus.


Exílio em Sedan
L'Exil à Sedan
     Produção: França, 2002 Direção: Michaël Gaumnitz Quando: hoje, às 15h, no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 3082-0213) Quanto: entrada franca



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