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FESTIVAL É TUDO VERDADE
Filme evoca trauma infantil
"Exílio em Sedan" revela "segredo atrás da porta"
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Michaël Gaumnitz adentra
os cômodos escuros e insalubres da casa em que passou a
sua infância infeliz. Ele busca um
"segredo atrás da porta", o segredo que levou seu pai a perpetuar
com a família todo o medo, brutalidade e humilhação que sofreu,
na juventude, nos campos de concentração nazistas.
"Exílio em Sedan", o pequeno
"filme de família" de Gaumnitz,
nos fala de um trauma de infância
que coincide com um trauma histórico. Mas, sem querer, nos fala
da própria história do cinema.
Voltemos ao "segredo atrás da
porta". Quando o crítico francês
Serge Daney pretendeu encontrar
nessa fórmula uma síntese da
eterna promessa de mais a ver, da
profundidade perpetuamente
forjada do cinema clássico do pré-Segunda Guerra, ele o fez para
constatar que a descoberta dos
campos de concentração e de sua
realidade era o derradeiro "segredo atrás da porta" que o cinema
do pré-guerra anunciava.
Tendo revelado, na guerra, sua
índole propagandística e manipulatória, tendo-se tornado uma arma, o modelo clássico se esgotara.
Nascido das ruínas, o dito cinema
moderno europeu nunca deixaria
de portar o luto na memória.
Culpa, vergonha, horror: os
sentimentos que Gaumnitz herdou, inconscientemente, do pai
são comuns aos cineastas europeus do pós-guerra. Para fazer as
pazes com a memória do pai carrasco, Gaumnitz busca o "segredo
atrás da porta", mas sabe, de antemão, que o que vai descobrir é algo de inominável, algo que seu pai
nunca conseguiu expressar.
Afinal, o que teria acontecido na
guerra para que seu pai, um alemão não-judeu, se mandasse com
a família, no pós-guerra, para a cidade francesa (Sedan) mais hostil
aos alemães e lá se deleitasse com
a humilhação? O que teria acontecido para que se instalasse numa
casa suja e lúgubre? O que teria
acontecido nos campos de concentração para que ele, outrora
talentoso pintor, passasse a evitar
a pintura? E, uma vez que a história do (auto)exílio do pai começa
por ser a da infância humilhada
do filho, o mais importante: por
que não conseguia ele dar afeto
nem mesmo aos próprios filhos?
Após a morte do pai, que viveu
os últimos anos trancado em seu
quarto como um prisioneiro,
Gaumnitz procura descobrir o
que é que este tanto calava. Começa por tentar fazer com a própria família uma espécie de terapia de regressão, reavivando um
pouco da perpétua sensação de
medo e vergonha que o pai transferia para os seus.
Exílio em Sedan
L'Exil à Sedan
Produção: França, 2002
Direção: Michaël Gaumnitz
Quando: hoje, às 15h, no Cinesesc (r.
Augusta, 2.075, tel. 3082-0213)
Quanto: entrada franca
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