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GUILHERME WISNIK
Patrimônios pilhados
Aterro do Flamengo, no Rio,
é ameaçado por obra de desmonte patrocinada por prefeitura e iniciativa privada
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Há pouco mais de um mês teve
início, no Rio de Janeiro,
uma obra de desmonte de
parte do aterro e parque do Flamengo, com o objetivo de construir, ali,
um complexo contendo centros de
convenções, exposições, um clube
privado, um centro turístico e um
shopping center, ocupando uma
área de 40 mil m2 (aproximadamente quatro quarteirões).
As obras, iniciadas com o corte de
árvores, são conduzidas por uma
parceria entre a prefeitura e a iniciativa privada e desrespeitam acintosamente o tombamento do parque pelo Iphan, ameaçando privatizar um importante bem público.
Localizado em área contígua à marina da Glória, o futuro centro de turismo e negócios integra uma seqüência de obras que estão sendo
feitas a toque de caixa para os Jogos
Panamericanos de 2007 e que desfrutam de exceções nas legislações
permitidas pela excepcionalidade
do evento.
O aterro é um dos parques urbanos mais importantes do mundo,
reunindo uma série de projetos feitos por Affonso Eduardo Reidy entre os anos 40 e 60 e que associam o
desmonte do morro de Santo Antônio a soluções para a circulação e o
lazer na cidade. Pode-se imaginar a
batalha que foi garantir a construção de vastas áreas públicas, em região nobre, livres da especulação
imobiliária. Não é à toa que o aterro
passou a ser o símbolo da civilidade
altaneira dos cariocas -hoje significativamente abalada- e da capacidade humana de multiplicar a beleza da paisagem natural.
Enquanto isso, em São Paulo, em
razão de sete anos de dívidas com a
Eletropaulo -todos durante a gestão do seu atual presidente, Júlio
Neves-, o Masp apagava as suas luzes. É preocupante a simultaneidade desses eventos. Os anos 50 marcam o momento em que o industrialismo de São Paulo alimentou a
cultura e a cidade superou traços
provincianos históricos. São dessa
época o parque Ibirapuera, a Bienal
de Artes e a consolidação do Masp
(fundado em 47), que, entre outras
iniciativas, criou o Instituto de Arte
Contemporânea, responsável pelo
curso pioneiro de design no Brasil.
Esse padrão cosmopolita novo,
embora liberal, inaugurou uma noção de "patrimônio" como investimento no futuro, daí o expressivo
acervo de obras européias do Masp,
como espelho de uma nação que
atingia sua maturidade cultural. E,
como referência urbana, pode-se dizer que o prédio do Masp (posterior,
do final dos anos 60) tornou-se o
símbolo da cidade por sua simplicidade monumental: destaca-se do
entorno, oferecendo à cidade uma
praça coberta para eventos culturais imprevisíveis, e recusa o padrão
esnobe do "bom gosto". Sua beleza é
popular. Tanto o Parque do Flamengo quanto o Masp não são utopias modernas descoladas da realidade do país, relíquias que devemos
preservar de modo nostálgico ou recalcitrante. São importantes conquistas históricas que afirmam resistentemente a importância dos
bens públicos e da noção de patrimônio. E que estão, por isso mesmo,
em tempos de gangsterização generalizada, no foco das operações mais
torpes de apropriação e pilhagem.
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