São Paulo, sábado, 12 de junho de 2010

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CRÍTICA DIÁLOGOS

Fim do livro estimula bate-papo inteligente

Eco e Carrière debatem o futuro dos volumes impressos na era moderna

BIA ABRAMO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Depois de ler "Não Contem com o Fim do Livro", pode-se ficar convencido da afirmação contida no título e que é repetida, argumentada e explicada por Umberto Eco e Jean-Claude Carrière ao longo de 272 páginas. Ou não.
O vaticínio sobre o futuro dos livros, ou ainda, do livro como o suporte privilegiado da informação, entretanto, é apenas o ponto de partida para uma interessantíssima rodada de conversas entre os dois intelectuais.
Ambos são bibliófilos, bibliômanos, colecionadores obsessivos, mas, sobretudo, conversadores privilegiados. O humor e um enorme apego por histórias e anedotas habitam os diálogos, realizados nas casas de Carrière, em Paris, e de Eco, em Monte Cerignone (Itália), com mediação do jornalista Jean-Phillipe de Tonnac.
Além de partilhar a mania por livros e o gosto pela conversa, Eco e Carrière são da mesma geração (ambos nasceram no início da década de 30) e atravessaram boa parte da história intelectual do século 20, Eco estudando semiologia, comunicação e história medieval e escrevendo romances; Carrière, fazendo roteiros para vários diretores, entre eles Luis Buñuel, Jacques Tati e Peter Brook.

CONHECIMENTO
Portanto a conversa entre os dois, mesmo que o mote seja um clichê (acabam-se os livros, diante das novas tecnologias?), é, ao mesmo tempo, um sobrevoo divertido sobre as aventuras da história do conhecimento humano mas também uma rara ocasião de privar da companhia de dois intelectuais com uma possibilidade de construir uma erudição diversificada e, uau, gigantesca.
Generosos, neles a erudição não é pretexto para discussões impenetráveis, mas serve para iluminar um raciocínio provocador com histórias divertidas como a do linguista sueco que dedicou a escrever nada menos que 3.000 páginas a fim de demonstrar que o sueco era a língua original de Adão.
Ou com observações sobre a natureza do colecionador, exemplificada com uma passagem relatada por Carrière a respeito do enorme esforço despendido por José Mindlin para obter um exemplar da primeira edição de "O Guarani" e a indiferença que lhe causou a leitura do volume... No meio de tantas histórias divertidas e fascinantes sobre como a humanidade vem produzindo e armazenando informação, a questão inicial empalidece de tal forma que já não importa mais.
O que importa de fato é garantir, para o futuro, a continuidade do conhecimento e da capacidade de rir de si mesmo. O resto é detalhe.


NÃO CONTEM COM O FIM DOS LIVROS

AUTORES Umberto Eco e Jean-Claude Carrière
TRADUÇÃO André Telles
EDITORA Record
QUANTO R$ 39,90 (272 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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