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CRÍTICA REPORTAGEM
Viagem de Callado ao Xingu origina relato sensacional
Relançamento investiga labirintos do sumiço do coronel Fawcett no país
MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO
É preciso ser de ferro, ou
de direita (mesmo na paradoxal versão comunista, como
a do deputado federal Aldo
Rebelo, do PC do B de SP),
para não se solidarizar com
os índios brasileiros.
Esta reportagem sensacional -no mais sóbrio sentido
da palavra- de Antonio Callado abriu espaço para tal
generosidade no jornalismo
contemporâneo nacional.
E também na literatura, ao
preparar o caminho para outro clássico do autor, o romance "Quarup".
Só isso já seria razão de sobra para ler "O Esqueleto da
Lagoa Verde", 57 anos depois
de publicado, nesta reedição
encorpada com posfácios de
Davi Arrigucci Jr. e Mauricio
Stycer. Há mais, porém.
O jornalista multimídia de
hoje encontrará no volumezinho uma amostra de quanto
se pode realizar com três esferográficas e um caderno espiral de 46 páginas.
Além, decerto, de olhos
abertos, muita pesquisa
-erudição mesmo, no caso
de Callado-, alguma sorte e
uma boa história.
Em 1952, Callado viajou ao
rio Culuene, nas cabeceiras
do Xingu, para visitar o suposto local de assassinato do
legendário explorador britânico Percy Fawcett.
Foi acompanhado de Orlando Villas Boas e Brian
Fawcett (filho do coronel), a
convite de Assis Chateaubriand, empresário de comunicação concorrente do jornal para o qual Callado trabalhava ("Correio da Manhã").
Callado soube aproveitar a
chance paradoxal.
HOMICÍDIO ERRADO
Das mãos do escritor saltou a reportagem nada convencional. Reticente e lacônica, por vezes. Labiríntica,
com assinalam Arrigucci e
Stycer, nas voltas que dá em
torno de Fawcett e dos ossos
que não eram seus, dos índios calapalos que confessam o homicídio errado, do
sertanista sentimental e do
herdeiro fleumático que se fixam em teses duvidosas.
O repórter questiona a todos e se questiona, inquieto
com o emaranhado de improbabilidades, pistas falsas
e clichês aventureiros.
A reportagem centrada no
misterioso Fawcett se descobre então como manifesto indigenista. Mais, como libelo
pela criação do parque nacional sonhado por Villas Boas,
que se materializaria uma década depois.
Ainda hoje está aí o Parque
Indígena do Xingu, um monumento multiculturalista
que marcou o imaginário nacional nos anos 1960.
Para Callado, os britânicos
haviam erguido um império
sobre o alicerce da própria
superioridade encenada
diante dos povos de cor.
O "fardo do homem branco" de que falava o famigerado poema de Rudyard Kipling incluía exibir-se como
civilizado para dar exemplo
aos povos taciturnos, "meio-demônios e meio-crianças".
O Brasil mestiço tem a
oportunidade e a obrigação
de desviar-se para uma versão melhor de civilização:
"Não se faz uma nação envergando um dinner-jacket todas as noites e mantendo os
nativos em estado de humildade".
Callado embrenhou-se em
Mato Grosso, desencontrou-se de Fawcett e deu com a
"África interior". Gostou dos
homens e da paisagem. Um
mundo escuro que o jornal e
a literatura do presente relutam em visitar, abrindo um
flanco do tamanho de metade do país para a destruição
do que temos de melhor.
ESQUELETO NA LAGOA
VERDE
AUTOR Antonio Callado
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 36 (160 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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