VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O vento e o frio típicos dessa época do ano naquele local; os túneis de 2,5 metros de diâmetro, em tijolos aparentes, por onde circulavam vapores; o muro erguido ao lado de um caminho de paralelepípedos; e o ruído dos trilhos na linha de trem que passa ao lado e valida a sugestão da chegada dos judeus ao campo de concentração: tudo na Casa das Caldeiras, na Água Branca (zona oeste paulistana), parece encontrar uma tradução perfeita, por mais que espantosa, na montagem de "Terror e Miséria no Terceiro Reich".
Em 2003, o diretor Marcelo Lazzaratto e os atores do grupo Lês Commediens Tropicales apresentaram a peça do alemão Bertolt Brecht (1898-1956) dentro do próprio Departamento de Artes Cênicas da Unicamp, em Campinas, num galpão.
Em março passado, num moinho desativado do século 20, o espetáculo foi bem recebido pelo público e pela crítica no Fringe, a mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba. Agora, é a vez de São Paulo conhecer o projeto.
O coro exultante da Juventude de Hitler, o medo impingido pela polícia nazista aos operários, a covardia das profissões liberais à época, anos 30 do século passado, os delatores à espreita dentro de casa ou nas ruas dão o tom de algumas das 16 cenas extraídas das 24 que Brecht escreveu entre 1935 e 1938, então exilado na Escandinávia. Sua fonte foram excertos de jornais e o relato de testemunhas oculares daqueles tempos sombrios em seu país.
"Trata-se de uma peça épica, mas estruturada de forma bastante realista", diz Lazzaratto, 37. Entre a movimentação do coro e as cenas mais fechadas (50 espectadores por sessão), o diretor adota um tratamento cinematográfico que permita o distanciamento e a proximidade. "Queremos que o público seja cúmplice, mas não fique na berlinda."
O público desloca-se entre uma passagem e outra, o que corresponde a pouco mais de um terço dos 190 minutos de duração. Ao cabo, terá sido também uma incursão pela memória arquitetônica da Casa das Caldeiras, erguida nos anos 20 do século 20.