São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 2006

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Análise

Bailarina aproximou dança e teatro

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Personalidade única no processo de modernização da dança paulista, Renée Gumiel foi, toda a vida, capaz de catalisar forças ao seu redor. Sempre trabalhou na interface da dança com o teatro, que eram suas armas a favor da arte e da vida. No início, quando chegou a SP, em 1957, não encontrou grande receptividade ao seu trabalho. Aos poucos, foi rompendo preconceitos. Desde então, não parou de influenciar gerações da dança e do teatro. Para Gumiel, "corpo é saber: sensibilidade física e psíquica".
Na sua visão cosmopolita, as várias artes estão interligadas e um artista deve ter formação múltipla. Assim como trouxe para o país a dança moderna, também apresentou compositores como o alemão Karlheinz Stockhausen, pioneiro da música eletrônica, e criou coreografias inspiradas em autores como Sartre e Brecht.
Experimentalismo e improvisação eram aspectos fundamentais do seu trabalho corporal, que foi se tornando cada vez mais próximo do teatro -um teatro que parte do corpo.
Desde 1991, vinha participando de espetáculos de José Celso Martinez Corrêa, no teatro Oficina: "Cacilda!", "As Bacantes" e as cinco partes de "Os Sertões". Este ano estreou "Cinzas", de Samuel Beckett, que dirigiu e interpretou ao lado de Aury Porto.
"Para mim, fazer dança ou teatro significa evoluir, não me acomodar", ela gostava de dizer, com o sotaque carregado e o tom voluntarioso que nunca deixaram de ser suas marcas, assim como a maquiagem pesada, o cigarro e o cálice de vinho.
Até os últimos dias, Gumiel continuava no palco do Oficina e dando aulas na escola teatral Célia Helena. Para ela, vida e arte nunca se separavam. Sempre viveu o presente, com pouca paciência para o passado e de olho no futuro, planejando novas montagens. "Não tenho saudades do passado, vivo o presente e o futuro. Mas minha vida está escrita na pele."
Não tinha medo da morte: "Para mim, não existe a morte sem a vida. O anjo da morte está sempre presente, em nossas emoções e atos. Nossa caminhada não tem princípio nem fim, só continuidade".
A imagem de Renée dançando, aos 92 anos, é uma das nossas visões definitivas da arte, como forma humana de continuidade. Sua lição maior sempre foi essa: a renovada afirmação do sim, contra tudo que nos diz não.


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