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CINEMA ESTRÉIAS
Muhammad Ali enfrenta o Ocidente
da Reportagem Local
Vencedor do Oscar de melhor
documentário neste ano, "Quando Éramos Reis", de Leon Gast, é,
descontada toda leitura romântica
possível, um filme sobre uma
grande batalha e constantes derrotas. Uma série delas.
Coloca frente a frente a carismática personalidade de um lutador
de boxe único (um ídolo mais que
um atleta), a cultura norte-americana, a colonização na África e a
idéia de liberdade para um povo.
"Quando Éramos Reis" mostra
a cena em torno dos lutadores Muhammad Ali e George Foreman
que, em 1974, em um estádio no
antigo Zaire -ainda sob a ditadura de Mobutu- se encontraram
motivados por um bom pagamento e a ambição em descobrir qual
dos dois era o melhor.
Ali, no período, representava
uma verdadeira ameaça, quase
uma afronta moral, para parte de
seu país, inconformado com a radicalização do discurso do movimento pela igualdade dos direitos
da população negra nos EUA.
Sua atitude era de afronta e ironia incessantes. Considerado por
muitos o mais genial lutador de
boxe da história, Ali havia se tornado um verdadeiro herói para o
que ele mesmo chamava de "meu
povo", assumindo então a necessidade do retorno ao passado e aos
costumes africanos.
É em torno dessa "nova esperança" que um verdadeiro circo se
arma ao redor do evento. São convocados músicos e bailarinas, que
viajam dos Estados Unidos para,
no Zaire, realizar um "Woodstock
negro".
Gast surge nesse cenário quase
como um acidente. O que mais lhe
interessava era a luta e os shows e
não a política racial. O acaso muda
sua rota. George Foreman se machuca durante os treinos, e tudo
tem de ser adiado. Enquanto espera, Gast resolve descobrir algo da
intimidade de Ali e termina fascinado por suas atitudes e idéias.
"Quando Éramos Reis" é o resultado dessa tentativa -por vezes desesperada- de desvendar
uma personalidade. Fruto do desejo de entender o que faz um homem ser, para todos ao redor, incomum.
Durante o filme, Gast é nocauteado algumas vezes, consegue
bons golpes, mas termina em um
empate técnico contra sua própria
ambição.
Ao fazer de Ali o agente e mentor
de uma situação histórica, termina
muitas vezes por se perder em reducionismos que aproximam seu
documentário da ficção. Gast acredita na causa de Ali, ainda que
muitas vezes a critique.
Mas é inegável o talento e a beleza desse filme incomum, talvez
grandioso por sua imperfeição.
Gast fez um filme de lutas -das
sociais, pessoais e físicas- em que
a violência está restrita ao território da política, assim nos ensinando duas ou três coisas sobre o que
é, de fato, a brutalidade.
Há ternura e fé em cada golpe,
nos testemunhos emocionados do
romancista Norman Mailer, relembrando sua experiência no Zaire, ou em jovens que sonham com
um autógrafo de um lutador.
E há também o macabro nas atitudes do ditador Mobutu, que
manda assassinar cada um de seus
oponentes, e no medo de uma população traumatizada com o passado de colônia da Europa.
"Quando Éramos Reis" é então
o filme sobre o mundo de Ali, os
erros do movimento negro e a culpa do racismo ocidental. Uma raridade obrigatória.
Filme: Quando Éramos Reis
Produção: EUA, 1996
Direção: Leon Gast
Com: Muhammad Ali, Norman Mailer
Quando: a partir de hoje, no Belas Artes -
sala Aleijadinho
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