São Paulo, segunda-feira, 12 de novembro de 2007

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GUILHERME WISNIK

Complexidade e contradição


Livro traz pensamentos de Mies van der Rohe, arquiteto por trás do apogeu do projeto moderno nos anos 50

"NUNCA fale de arquitetura a um cliente. Fale sobre seus filhos; é uma boa política." Essa útil recomendação aparece em "Conversas com Mies van der Rohe: Certezas Americanas" (Gustavo Gili, 96 págs., R$ 30,10), compilação de entrevistas com o grande arquiteto alemão feitas entre 1955 e 1964. O pequeno volume integra uma coleção de publicações que, como diz o título, reúnem conferências e/ou entrevistas de grandes arquitetos, focalizando, em geral, questões de interesse amplo, acessíveis a um grande público.
No caso de Mies, falecido em 1969, as conversas cobrem o período final da sua vida, a chamada "fase americana", em que o arquiteto desfruta de um notório reconhecimento mas começa a se ver ameaçado pelas críticas que originariam o chamado pós-modernismo. Críticas à monotonia e ao caráter burocrático das suas torres de vidro, que, àquela altura, começavam a encarnar o espírito do capitalismo internacional, afastando-se da utopia social da Bauhaus. Tal contradição, apresentada em geral como xeque-mate aos pressupostos democráticos da arquitetura moderna, não incomoda Mies. Diz ele: "eu não queria mudar o tempo, queria expressar o tempo".
E completa: "eu não queria mudar nada". O arquiteto é um artesão, insiste, e não um artista. Não pode, portanto, pretender ser revolucionário. O seu assunto é o espaço, e não a sociedade, pois ele sabe muito bem que não vai mudá-la: "nós só podemos guiar as coisas que podem provocar uma mudança física", diz.
Filho de canteiro (artesão que trabalha a pedra), Mies abandonou os estudos aos 14 anos para se dedicar ao trabalho manual. Daí que a sua abstração venha da manufatura, mais do que das artes plásticas. O que explica o seu desprezo pelo suprematismo de Maliévitch, preocupado apenas com o jogo formal, e não com a construção.
Os anos 50, nos Estados Unidos, representam o apogeu do projeto moderno, e especialmente miesiano, de generalização de uma gramática comum para o design industrial e a construção civil. Esse é o assunto principal das conversas recolhidas no livro, nas quais Mies comemora o fato de que a onipresença cada vez maior da ciência e da tecnologia vai conseguir "jogar fora todas as velhas culturas", deixando no lugar "apenas um leve colorido".
Mas nem tudo é tão coerente quanto parece. Se essa gramática moderna é necessariamente impessoal, Mies, por outro lado, admite que não aceita discutir as suas idéias com ninguém. "Não serve para nada trabalhar com outros arquitetos", afirma, pois as decisões mais importantes não podem ser debatidas coletivamente. "Sou defensor do homem solitário", completa.
Quer dizer que se, por um lado, a arquitetura deve ser uma linguagem corrente, por outro, é a expressão de idéias que não podem ser compartilhadas. Daí a recomendação a se conversar apenas amenidades com o cliente, já que ele nunca poderia entender o seu pensamento. Como se perceberia logo em seguida, complexidade e contradição não são defeitos. São os atributos das obras realmente grandes.


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