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GUILHERME WISNIK
Complexidade e contradição
Livro traz pensamentos de Mies van der Rohe, arquiteto por trás do apogeu do projeto moderno nos anos 50
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"NUNCA fale de arquitetura
a um cliente. Fale sobre
seus filhos; é uma boa
política." Essa útil recomendação
aparece em "Conversas com Mies
van der Rohe: Certezas Americanas" (Gustavo Gili, 96 págs., R$
30,10), compilação de entrevistas
com o grande arquiteto alemão feitas entre 1955 e 1964. O pequeno volume integra uma coleção de publicações que, como diz o título, reúnem conferências e/ou entrevistas
de grandes arquitetos, focalizando,
em geral, questões de interesse amplo, acessíveis a um grande público.
No caso de Mies, falecido em 1969,
as conversas cobrem o período final
da sua vida, a chamada "fase americana", em que o arquiteto desfruta
de um notório reconhecimento mas
começa a se ver ameaçado pelas críticas que originariam o chamado
pós-modernismo. Críticas à monotonia e ao caráter burocrático das
suas torres de vidro, que, àquela altura, começavam a encarnar o espírito do capitalismo internacional,
afastando-se da utopia social da
Bauhaus. Tal contradição, apresentada em geral como xeque-mate aos
pressupostos democráticos da arquitetura moderna, não incomoda
Mies. Diz ele: "eu não queria mudar
o tempo, queria expressar o tempo".
E completa: "eu não queria mudar
nada". O arquiteto é um artesão, insiste, e não um artista. Não pode,
portanto, pretender ser revolucionário. O seu assunto é o espaço, e
não a sociedade, pois ele sabe muito
bem que não vai mudá-la: "nós só
podemos guiar as coisas que podem
provocar uma mudança física", diz.
Filho de canteiro (artesão que trabalha a pedra), Mies abandonou os
estudos aos 14 anos para se dedicar
ao trabalho manual. Daí que a sua
abstração venha da manufatura,
mais do que das artes plásticas. O
que explica o seu desprezo pelo suprematismo de Maliévitch, preocupado apenas com o jogo formal, e
não com a construção.
Os anos 50, nos Estados Unidos,
representam o apogeu do projeto
moderno, e especialmente miesiano, de generalização de uma gramática comum para o design industrial
e a construção civil. Esse é o assunto
principal das conversas recolhidas
no livro, nas quais Mies comemora o
fato de que a onipresença cada vez
maior da ciência e da tecnologia vai
conseguir "jogar fora todas as velhas
culturas", deixando no lugar "apenas um leve colorido".
Mas nem tudo é tão coerente
quanto parece. Se essa gramática
moderna é necessariamente impessoal, Mies, por outro lado, admite
que não aceita discutir as suas idéias
com ninguém. "Não serve para nada
trabalhar com outros arquitetos",
afirma, pois as decisões mais importantes não podem ser debatidas coletivamente. "Sou defensor do homem solitário", completa.
Quer dizer que se, por um lado, a
arquitetura deve ser uma linguagem
corrente, por outro, é a expressão de
idéias que não podem ser compartilhadas. Daí a recomendação a se
conversar apenas amenidades com
o cliente, já que ele nunca poderia
entender o seu pensamento. Como
se perceberia logo em seguida, complexidade e contradição não são defeitos. São os atributos das obras
realmente grandes.
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