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COMIDA
Na trilha do Pará
A cozinha do Pará, que carrega sabores únicos com referências ao Brasil antigo e à alimentação indígena, é homenageada em festivais em São Paulo
THIAGO NEY
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM
Molhada, a carne desfia apenas com a aproximação do garfo. Está amparada (mais) por
um saboroso caldo amarelo e
(menos) por uma erva de sabor
anestesiante. Se você, como eu,
sempre achou que peru é uma
ave de carne invariavelmente
seca, precisa urgentemente
provar o peru no tucupi.
Peru pode ser encontrado em
qualquer lugar. Já o tucupi (o
caldo amarelo) e o jambu (a erva anestesiante) são menos comuns -esse caldo de origem
indígena, derivado da mandioca, é uma das peças de resistência da culinária paraense, que,
até que enfim!, está recebendo
a devida reverência nas cozinhas do Sudeste.
Principal divulgador de pratos como maniçoba (mal comparando, uma espécie de feijoada feita com com a folha da
mandioca-brava moída, cozida
e fervida durante sete dias), pato no tucupi, tacacá (caldo que
leva tucupi, jambu, goma de tapioca e camarões secos) e filhote (saborosíssimo peixe de rio),
o Lá em Casa, restaurante de
Paulo Martins, fará uma apresentação da comida de Belém
no Porto Rubaiyat, em São Paulo, até o próximo domingo.
Já Ana Luiza Trajano prepara no seu Brasil a Gosto um cardápio especial com ingredientes paraenses. O Tordesilhas e
o Amazônia investem em pratos do Pará há algum tempo
(veja endereços nesta página).
"É uma cozinha totalmente
indígena, de sabor forte, bem
acentuado. Ou você gosta ou
você não gosta. Não tem meio
termo", brinca Tania Martins,
que está no comando da cozinha do Lá em Casa (tel. 0/xx/
91/3242-4222). "Apesar de ser
forte, não é uma comida tão pesada, é de fácil digestão. Por
exemplo, o paraense come maniçoba no almoço."
Paulo Martins ajudou a divulgar ingredientes como tucupi, chicória (diferente da encontrada no Sudeste) e jambu
ao realizar, desde 2000, um festival gastronômico em Belém.
"É a mais particular, a mais
genuína cozinha do Brasil",
afirma Mara Salles, do Tordesilhas. "Porque foi a que ficou
mais preservada, até pela dificuldade de acesso à Amazônia.
Isso isola seus habitantes e sua
cozinha. É a comida que mais
remete ao Brasil antigo."
Além do pato no tucupi, prato típico das áreas indígenas, a
região é farta em peixes como o
pirarucu (conhecido como "o
bacalhau da Amazônia", por ser
conservado em sal), o filhote
(que pode chegar a mais de 200
kg) e a pescada-amarela.
"Os peixes são grandes, gordos, pois há abundância de alimentos. E as ervas e pimentas
possuem um gosto único, que
remetem a um ambiente quente e úmido", avalia Mara. "É
uma região muito particular,
com sabores muito particulares, por causa da floresta."
"As ervas e as especiarias
conferem alguns aromas que, ao
serem misturados aos peixes e
frutas da região, criam pratos
com um sabor único, inimitável", pontua Ana Luiza Trajano.
Dificuldade
Se diversas regiões do Brasil
já exportam seus alimentos e
pratos para o restante do país
(Bahia, Ceará, Rio Grande do
Sul etc.), a culinária do Pará não
foi adotada em outros lugares
pela dificuldade em transportar ingredientes como jambu.
"O jambu tem pouca durabilidade", diz Tania Martins, "então nós pré-cozinhamos e congelamos para mandar para
chefs de São Paulo. Com a alfavaca, é a mesma coisa".
O jambu já está sendo plantado em algumas regiões do Estado de São Paulo, mas, afirma
Mara, "não tem o mesmo brilho" do jambu paraense.
Como resolver o problema?
"Dando lucro às companhias
aéreas", responde Mara. "Porque o produtor paraense não
cobra caro pelas ervas, pelos
peixes. Mas em São Paulo temos de embutir nos pratos o
custo do transporte. Temos de
receber esses produtos via
avião", diz ela, que fará, em dezembro, festival com uma cozinheira indígena da Amazônia.
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