São Paulo, quinta-feira, 12 de novembro de 2009

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COMIDA

Na trilha do Pará

A cozinha do Pará, que carrega sabores únicos com referências ao Brasil antigo e à alimentação indígena, é homenageada em festivais em São Paulo

THIAGO NEY
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM

Molhada, a carne desfia apenas com a aproximação do garfo. Está amparada (mais) por um saboroso caldo amarelo e (menos) por uma erva de sabor anestesiante. Se você, como eu, sempre achou que peru é uma ave de carne invariavelmente seca, precisa urgentemente provar o peru no tucupi.
Peru pode ser encontrado em qualquer lugar. Já o tucupi (o caldo amarelo) e o jambu (a erva anestesiante) são menos comuns -esse caldo de origem indígena, derivado da mandioca, é uma das peças de resistência da culinária paraense, que, até que enfim!, está recebendo a devida reverência nas cozinhas do Sudeste.
Principal divulgador de pratos como maniçoba (mal comparando, uma espécie de feijoada feita com com a folha da mandioca-brava moída, cozida e fervida durante sete dias), pato no tucupi, tacacá (caldo que leva tucupi, jambu, goma de tapioca e camarões secos) e filhote (saborosíssimo peixe de rio), o Lá em Casa, restaurante de Paulo Martins, fará uma apresentação da comida de Belém no Porto Rubaiyat, em São Paulo, até o próximo domingo.
Já Ana Luiza Trajano prepara no seu Brasil a Gosto um cardápio especial com ingredientes paraenses. O Tordesilhas e o Amazônia investem em pratos do Pará há algum tempo (veja endereços nesta página).
"É uma cozinha totalmente indígena, de sabor forte, bem acentuado. Ou você gosta ou você não gosta. Não tem meio termo", brinca Tania Martins, que está no comando da cozinha do Lá em Casa (tel. 0/xx/ 91/3242-4222). "Apesar de ser forte, não é uma comida tão pesada, é de fácil digestão. Por exemplo, o paraense come maniçoba no almoço."
Paulo Martins ajudou a divulgar ingredientes como tucupi, chicória (diferente da encontrada no Sudeste) e jambu ao realizar, desde 2000, um festival gastronômico em Belém.
"É a mais particular, a mais genuína cozinha do Brasil", afirma Mara Salles, do Tordesilhas. "Porque foi a que ficou mais preservada, até pela dificuldade de acesso à Amazônia. Isso isola seus habitantes e sua cozinha. É a comida que mais remete ao Brasil antigo."
Além do pato no tucupi, prato típico das áreas indígenas, a região é farta em peixes como o pirarucu (conhecido como "o bacalhau da Amazônia", por ser conservado em sal), o filhote (que pode chegar a mais de 200 kg) e a pescada-amarela.
"Os peixes são grandes, gordos, pois há abundância de alimentos. E as ervas e pimentas possuem um gosto único, que remetem a um ambiente quente e úmido", avalia Mara. "É uma região muito particular, com sabores muito particulares, por causa da floresta."
"As ervas e as especiarias conferem alguns aromas que, ao serem misturados aos peixes e frutas da região, criam pratos com um sabor único, inimitável", pontua Ana Luiza Trajano.

Dificuldade
Se diversas regiões do Brasil já exportam seus alimentos e pratos para o restante do país (Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul etc.), a culinária do Pará não foi adotada em outros lugares pela dificuldade em transportar ingredientes como jambu.
"O jambu tem pouca durabilidade", diz Tania Martins, "então nós pré-cozinhamos e congelamos para mandar para chefs de São Paulo. Com a alfavaca, é a mesma coisa".
O jambu já está sendo plantado em algumas regiões do Estado de São Paulo, mas, afirma Mara, "não tem o mesmo brilho" do jambu paraense.
Como resolver o problema? "Dando lucro às companhias aéreas", responde Mara. "Porque o produtor paraense não cobra caro pelas ervas, pelos peixes. Mas em São Paulo temos de embutir nos pratos o custo do transporte. Temos de receber esses produtos via avião", diz ela, que fará, em dezembro, festival com uma cozinheira indígena da Amazônia.


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