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São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2003

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"DEZ LIÇÕES - SOBRE ESTUDOS CULTURAIS"

Enfoque paulista ronda reflexão marxista da cultura

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro "Dez Lições - Sobre Estudos Culturais" coloca a cultura no cerne do funcionamento das sociedades contemporâneas, discutindo a relação entre base e superestrutura, a divisão entre cultura da minoria e popular, assim como o ponto de mutação representado pela emergência eletrônica da indústria cultural, e que já foi denominado de "capitalismo videofinanceiro", tendo variantes locais e universais.
Lida, culta, bem informada, escrevendo com clareza e didática, a professora da USP Maria Elisa Cavasco oferece-nos um panorama dos "estudos culturais", cujo berço é a Inglaterra com o veterano marxista Raymond Williams, desdobrando-se no viajado e inventivo Perry Anderson, intelectual precoce que foi diretor da revista "New Left" aos 22 anos.
É a voga do "marxismo ocidental", de intelectuais, em que a superestrutura converte-se em infra-estrutura, aquilo que o poder imperialista fez com o cinema norte-americano. Escreve Cavasco sobre a "New Left": "O marxismo britânico se insere de vez na corrente do marxismo ocidental, ou seja, o da geração de intelectuais que, em vários países, se dedicou a explicar o funcionamento do capitalismo não mais preponderante do ângulo da cultura: trata-se de um marxismo que não desistiu de mudar a organização da sociedade, mas que se viu historicamente obrigado a explicar um mundo onde as alianças com os movimentos de massa ficam cada vez mais complicadas".
Com alguns grafocratas espalhados pelos departamentos de letras, a reabilitação da superestrutura cultural chega a ponto de considerar que no mundo só existe texto, o texto Golfo, Bagdá e Chernobyl. Não é essa no entanto a perspectiva dos "estudos culturais", embora neles se reconheça que a matéria social e econômica é fundamentalmente culturalizada, o que aliás não é nenhuma novidade, como se pode observar na prata da casa com Oswald de Andrade, Darcy Ribeiro e Glauber Rocha, três marxistas da pesada que discutiram e vivenciaram o diálogo entre marxismo e cultura no plano nacional e internacional.
Eu ponho aqui reparo na prata da casa porque há um capítulo dedicado ao Brasil, e aí não fica claro se para se inscrever na estante "estudos culturais" é necessário ser marxista e acadêmico. Estranhei a ausência do diplomata José Guilherme Merquior, que escreveu um livro sobre o marxismo ocidental, embora lamentavelmente tenha se enredado na cascata neoliberal de Collor.
O problema é que alguns autores tidos como marxólogos e considerados representativos dos "estudos culturais", tornar-se-iam coadjuvantes ou cúmplices da aprontação contra a cultura.
Estranhei também a ausência de Haroldo de Campos; de resto, nos últimos 40 anos, em termos de "estudos culturais", há sempre o perigo do enfoque paulistocêntrico. Afinal, além das arraias universitárias de Pinheiros existem excelentes "estudos culturais" como os realizados por Nelson Werneck Sodré e Franklin de Oliveira, entre outros que não figuram no rol oficial da missa acadêmica.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

Dez Lições - Sobre Estudos Culturais     
Autor: Maria Elisa Cevasco
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 22 (188 págs.)


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