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"DEZ LIÇÕES - SOBRE ESTUDOS CULTURAIS"
Enfoque paulista ronda reflexão marxista da cultura
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O livro "Dez Lições - Sobre
Estudos Culturais" coloca a
cultura no cerne do funcionamento das sociedades contemporâneas, discutindo a relação entre
base e superestrutura, a divisão
entre cultura da minoria e popular, assim como o ponto de mutação representado pela emergência
eletrônica da indústria cultural, e
que já foi denominado de "capitalismo videofinanceiro", tendo variantes locais e universais.
Lida, culta, bem informada, escrevendo com clareza e didática, a
professora da USP Maria Elisa Cavasco oferece-nos um panorama
dos "estudos culturais", cujo berço é a Inglaterra com o veterano
marxista Raymond Williams,
desdobrando-se no viajado e inventivo Perry Anderson, intelectual precoce que foi diretor da revista "New Left" aos 22 anos.
É a voga do "marxismo ocidental", de intelectuais, em que a superestrutura converte-se em infra-estrutura, aquilo que o poder
imperialista fez com o cinema
norte-americano. Escreve Cavasco sobre a "New Left": "O marxismo britânico se insere de vez na
corrente do marxismo ocidental,
ou seja, o da geração de intelectuais que, em vários países, se dedicou a explicar o funcionamento
do capitalismo não mais preponderante do ângulo da cultura: trata-se de um marxismo que não
desistiu de mudar a organização
da sociedade, mas que se viu historicamente obrigado a explicar
um mundo onde as alianças com
os movimentos de massa ficam
cada vez mais complicadas".
Com alguns grafocratas espalhados pelos departamentos de letras, a reabilitação da superestrutura cultural chega a ponto de
considerar que no mundo só existe texto, o texto Golfo, Bagdá e
Chernobyl. Não é essa no entanto
a perspectiva dos "estudos culturais", embora neles se reconheça
que a matéria social e econômica
é fundamentalmente culturalizada, o que aliás não é nenhuma novidade, como se pode observar na
prata da casa com Oswald de Andrade, Darcy Ribeiro e Glauber
Rocha, três marxistas da pesada
que discutiram e vivenciaram o
diálogo entre marxismo e cultura
no plano nacional e internacional.
Eu ponho aqui reparo na prata
da casa porque há um capítulo dedicado ao Brasil, e aí não fica claro
se para se inscrever na estante "estudos culturais" é necessário ser
marxista e acadêmico. Estranhei a
ausência do diplomata José Guilherme Merquior, que escreveu
um livro sobre o marxismo ocidental, embora lamentavelmente
tenha se enredado na cascata neoliberal de Collor.
O problema é que alguns autores tidos como marxólogos e considerados representativos dos
"estudos culturais", tornar-se-iam coadjuvantes ou cúmplices
da aprontação contra a cultura.
Estranhei também a ausência de
Haroldo de Campos; de resto, nos
últimos 40 anos, em termos de
"estudos culturais", há sempre o
perigo do enfoque paulistocêntrico. Afinal, além das arraias universitárias de Pinheiros existem
excelentes "estudos culturais" como os realizados por Nelson Werneck Sodré e Franklin de Oliveira,
entre outros que não figuram no
rol oficial da missa acadêmica.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)
Dez Lições - Sobre Estudos
Culturais
Autor: Maria Elisa Cevasco
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 22 (188 págs.)
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