São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Crônica paulistana

Quer dizer que você está por fora da onda "toy art"? Não se preocupe...

Gustavo Piqueira, autor do "Manual Prático do Paulistano Moderno e Descolado", comenta o interesse de "modernos" de SP por um novo tipo de arte

GUSTAVO PIQUEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Convidado a participar da "primeira exposição de munnys customizados do Brasil" (Plastik Gallery, r. Melo Alves, 459), Igor Cavalera enfaixou o seu com esparadrapos e batizou-o de mummy ("múmia", em inglês). Que foi? Não entendeu nada?
Ora, segundo o prospecto da mostra, "O munny é um dos toys DIY [do it yourself] mais desejados do mundo". Traduzindo, um boneco em branco que eu, você ou qualquer um pode personalizar como quiser.
Ficou na mesma? Ih, meu caro... Quer dizer que você está por fora da onda "toy art"? Calma, não se preocupe. Está fácil se informar. Já existem até cursos a respeito. A Escola São Paulo, por exemplo, promoveu recentemente seu módulo toy art. Um dos professores, explica seu currículo, "tem um projeto de street art". Qual projeto? Não sei, o texto termina aí.
Já seu parceiro "produz gravuras handmade, fun toys, stencils, stickers, bottons, patch work e quilting." Ain't it cool? Entre os tópicos discutidos, "uma abordagem objetiva de como o brinquedo se elevou ao patamar das artes". Infelizmente, esse você perdeu. Fique de olho na programação da escola e torça por novas turmas.
Outra que você perdeu foi a vinda de Gary Baseman, no mês passado. "Um dos nomes mais badalados da toy art", segundo nossa mídia local. O americano deu palestras, autografou seu livro "Dumb Luck" (sorte estúpida, R$ 550 na Plastik, R$ 60 na Amazon) e customizou um munny (que, sortudo, escapou de esparadrapos e trocadilhos).
Pena Baseman ter esquecido de esclarecer que não é um "toy artist". Apenas um "artist" que estendeu seu trabalho de ilustração e animação ao novo suporte, assim como fizeram Tim Biskup e outros, num processo natural em suas trajetórias.
Mas, por estas bandas, a história da "febre toy art" é bem outra. Como sempre. Salvo raras exceções, nada de artistas estendendo de forma natural seu trabalho a um novo suporte. Não. Aqui as coisas são um pouco diferentes. Aqui, os toys são "mania de gente descolada, que chega a pagar R$ 500 por uma peça de renome". Ou R$ 800 -a múmia de Cavalera.
Num cenário tão vibrante, não é de se estranhar que nossos "toy artists", paralelamente à produção, comecem a entabular seu sólido ideário. "A toy art entra no mercado artístico como representação do mundo onde se vive de forma divertida e fofa, por meio de brinquedos de luxo", afirma um deles. Outro consolida com "um universo de fantasia, com críticas ácidas ao mundo moderno". Deu para entender? Viver de forma fofa por meio de brinquedos de luxo é o jeito contemporâneo de postularmos críticas ácidas ao mundo moderno. Viver de forma fofa. Bem bacana.
E não pense você que tamanha contemporaneidade é para qualquer um. Não é, não. "A pessoa deve ter um nível de cultura pop que lhe permita comprar um boneco de R$ 400, que pode ser supersimples de fazer, mas foi pensado por uma cabeça artística." Nível de cultura pop, meu amigo. É necessário nível de cultura pop -seja lá o que diabos isso possa significar.
A falta de grana ou tempo para um pulinho na Prince Street também não é mais problema. São Paulo já possui suas lojas especializadas em "toy art", como a que promove a exposição dos munnys. Sua dona, empolgada, classifica o movimento como "a nova arte contemporânea". Nas matérias publicadas sobre a loja, informações das mais relevantes para a compreensão do movimento "toy art" no Brasil: a moça é bem-nascida, estudou num internato suíço e desce todo fim de semana para a Barra do Sahy com o namorado. Eis a nova arte contemporânea.
"A cultura paulistana absorveu muito bem essa arte", afirma, por fim, outra cabeça artística. Então, pense comigo: a cultura paulistana não é mesmo uma beleza?


O designer GUSTAVO PIQUEIRA é autor do "Manual Prático do Paulistano Moderno e Descolado" (ed. Martins Fontes; 116 págs.)


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