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Crônica paulistana
Quer dizer que você está por fora da onda "toy art"? Não se preocupe...
Gustavo Piqueira, autor do "Manual Prático do Paulistano Moderno e Descolado", comenta o interesse de "modernos" de SP por um novo tipo de arte
GUSTAVO PIQUEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Convidado a participar
da "primeira exposição
de munnys customizados do Brasil" (Plastik Gallery,
r. Melo Alves, 459), Igor Cavalera enfaixou o seu com esparadrapos e batizou-o de mummy
("múmia", em inglês).
Que foi? Não entendeu nada?
Ora, segundo o prospecto da
mostra, "O munny é um dos
toys DIY [do it yourself] mais
desejados do mundo". Traduzindo, um boneco em branco
que eu, você ou qualquer um
pode personalizar como quiser.
Ficou na mesma? Ih, meu caro... Quer dizer que você está
por fora da onda "toy art"? Calma, não se preocupe. Está fácil
se informar. Já existem até cursos a respeito. A Escola São
Paulo, por exemplo, promoveu
recentemente seu módulo toy
art. Um dos professores, explica seu currículo, "tem um projeto de street art". Qual projeto? Não sei, o texto termina aí.
Já seu parceiro "produz gravuras handmade, fun toys,
stencils, stickers, bottons,
patch work e quilting." Ain't it
cool? Entre os tópicos discutidos, "uma abordagem objetiva
de como o brinquedo se elevou
ao patamar das artes". Infelizmente, esse você perdeu. Fique
de olho na programação da escola e torça por novas turmas.
Outra que você perdeu foi a
vinda de Gary Baseman, no mês
passado. "Um dos nomes mais
badalados da toy art", segundo
nossa mídia local. O americano
deu palestras, autografou seu
livro "Dumb Luck" (sorte estúpida, R$ 550 na Plastik, R$ 60
na Amazon) e customizou um
munny (que, sortudo, escapou
de esparadrapos e trocadilhos).
Pena Baseman ter esquecido
de esclarecer que não é um "toy
artist". Apenas um "artist" que
estendeu seu trabalho de ilustração e animação ao novo suporte, assim como fizeram Tim
Biskup e outros, num processo
natural em suas trajetórias.
Mas, por estas bandas, a história da "febre toy art" é bem
outra. Como sempre. Salvo raras exceções, nada de artistas
estendendo de forma natural
seu trabalho a um novo suporte. Não. Aqui as coisas são um
pouco diferentes. Aqui, os toys
são "mania de gente descolada,
que chega a pagar R$ 500 por
uma peça de renome". Ou R$
800 -a múmia de Cavalera.
Num cenário tão vibrante,
não é de se estranhar que nossos "toy artists", paralelamente
à produção, comecem a entabular seu sólido ideário. "A toy
art entra no mercado artístico
como representação do mundo
onde se vive de forma divertida
e fofa, por meio de brinquedos
de luxo", afirma um deles. Outro consolida com "um universo de fantasia, com críticas ácidas ao mundo moderno". Deu
para entender? Viver de forma
fofa por meio de brinquedos de
luxo é o jeito contemporâneo
de postularmos críticas ácidas
ao mundo moderno. Viver de
forma fofa. Bem bacana.
E não pense você que tamanha contemporaneidade é para
qualquer um. Não é, não. "A
pessoa deve ter um nível de cultura pop que lhe permita comprar um boneco de R$ 400, que
pode ser supersimples de fazer,
mas foi pensado por uma cabeça artística." Nível de cultura
pop, meu amigo. É necessário
nível de cultura pop -seja lá o
que diabos isso possa significar.
A falta de grana ou tempo para um pulinho na Prince Street
também não é mais problema.
São Paulo já possui suas lojas
especializadas em "toy art", como a que promove a exposição
dos munnys. Sua dona, empolgada, classifica o movimento
como "a nova arte contemporânea". Nas matérias publicadas
sobre a loja, informações das
mais relevantes para a compreensão do movimento "toy
art" no Brasil: a moça é bem-nascida, estudou num internato suíço e desce todo fim de semana para a Barra do Sahy com
o namorado. Eis a nova arte
contemporânea.
"A cultura paulistana absorveu muito bem essa arte", afirma, por fim, outra cabeça artística. Então, pense comigo: a
cultura paulistana não é mesmo uma beleza?
O designer GUSTAVO PIQUEIRA é autor do
"Manual Prático do Paulistano Moderno e Descolado" (ed. Martins Fontes; 116 págs.)
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