São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 2006

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FERNANDO BONASSI

Jogo de elite

O escândalo é uma tática na estratégia do espetáculo cujo desfecho foi anunciado em 15/5

PREPARAM-SE em hotéis de estrelas treinando sua leseira mais terrena em piscinas aquecidas, banheiras perfumadas, salas de ginástica, camas desarrumadas pelas prostitutas contratadas nas páginas das revistas e faturas esquisitas das roletas dos cassinos. Jogam com essas cartas marcadas, regras acertadas e nos dados do mercado os anéis dos dedos viciados, pois sabem muito bem onde começam suas carnes apodrecidas. Por essas e outras é que as protegem diligentemente com blindagens, sacanagens e seguranças, já que se sentem inseguros com o patrimônio que têm escondido lá no meio de sua obscenidade fiscal. Apresentam-se bem, mas representam-nos mal e porcamente. Não como a si mesmos, é claro, já que se têm num faz-de-conta excelente, apesar da obscura matemática das operações confusas em que se metem em nosso nome. Os nossos nomes nem são tão sagrados assim que não possam ser lembrados numa eleição ou outra, mas, como temos sido invocados tantas vezes e em vão, tornam-nos esses desolados pela situação. O combinado era que se mancassem e mudassem, não que emudecessem; mas parece que os que prestam para coisa de algum tipo teimam em se manter nessa espécie de silêncio espesso, abrindo caminho para que aqueles que não prestam para nada possam se servir do todo. Supersticiosos, têm mania de esconder vassouras atrás das portas, dinheiros em paraísos, propinas em juízos, pulgas atrás de orelhas e ovelhas atrás de pastores; de prometer mundos e fundos aos soterrados em desilusões freqüentes e remunerações mesquinhas. Fazem pactos com diabos carecas ou descamisados e agradecem aos deuses cabeludos por verbas de representação, ternos bem cortados e patrocínios descolados para viagens lisérgicas de ocasião. Investem com sucesso para que o fracasso se repita já que é mais repetitivo do que a própria ladainha de suas vitórias. Fazem apostas com dinheiro alheio, fortuna com uma sorte que não têm e desgraça com os conselhos que espalham nos ventiladores das bolsas de valores. São senhores de um engenho que devia transformar verdadeiramente, mas que persiste em girar em falso, no mesmo eixo e eternamente, movido pela musculatura dos burros e escravos desgraçados, que agora deram para se empregar na conjuntura da ditadura dos assassinos. São esses que sonegam laudos conclusivos, sacam armas automáticas, índices de inflação e investimentos, documentos explosivos ou talões de cheques para selar seus compromissos mais amigos. O escândalo é apenas uma tática na estratégia do espetáculo cujo desfecho foi anunciado numa segunda-feira 15 de maio do ano da graça de 2006, dia sem a prisão do trabalho, mas de descanso sombrio... Especializam-se em culpar a dificuldade de um processo, a lentidão da injustiça e direitos adquiridos que é preciso atender ou despistar. Os piores têm essa sensação de que fazem o bem, que não querem mal nenhum, mas que ninguém venha lhes tirar o que mamaram em mamatas por seios esplêndidos remendados a plástica. Já os melhores querem ter clareza, mas terminam pastando na mesma obscuridade que depuseram com macacões, delações, teses de doutorado, gravatas e bravatas. Temem passar debaixo dessas escadas mal sinalizadas que construíram para nos derrubar, preferindo ficar em cima dos muros, dos juros ou das dívidas dos subsídios a exigi-los em qualidade, já que nesse tipo de sociedade uma geração ou outra acaba pagando, se danando e se perdendo mesmo... Acontece que a próxima geração perdida e mal paga, quer queiramos quer não, é a dos nossos filhos e eles podem ficar tão irados com essa herança que exijam agora e a tiros todos os benefícios das apólices que deixarmos! Salve-se quem puder! Ou tiver... Pois "ter ou não ter" é de fato a única questão sobre a qual não querem pensar sem hipocrisia para distribuir melhor o que uns poucos têm em demasia. Ademais, pode ser que só mesmo o sangue dos civis miseráveis e dos fardados desprevenidos, vertidos nos caminhos da cidade sitiada, assine embaixo dessa historinha incivilizada... Então a taça que ergueremos em triunfo será a da barbárie, na qual seguiremos sendo conhecidos como somos no momento: os maiores campeões de todos os tempos. É hexa, Brasil!

fbonassi@uol.com.br


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