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BIA ABRAMO
"Páginas" fecha cerco moralizante
Manoel Carlos, detrás de sua mise-en-scène suave, faz uma novela superconservadora
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NANDA APANHOU da mãe. Sandra, do ex-amante e patrão.
Nanda foi abandonada pelo
namorado quando se recusou a fazer
um aborto. Nanda foi atropelada e
morreu, numa longa agonia que durou quase uma semana. Sandra vive
às turras com a mãe, que também
parte para cima dela vez por outra.
Anna tortura a filha, obrigando-a
fazer balé e a emagrecer sempre. Anna humilha o marido na frente da filha. Marta também. Marta bateu na
filha, Nanda, mesmo com o barrigão
de sete meses de gravidez. Marta vai
rejeitar a neta, Clara, porque tem
síndrome de Down. Isabel, a fotógrafa solteira boa-praça, vai se envolver com um perfeito cafajeste.
Helena é uma santa. Irmã Natércia, idem. Irmã Lavínia, ibidem. Lalinha também era tão boa que morreu
numa capela, sem nem mesmo emitir um gemido ou pender a cabeça.
Jovens sexualizadas apanham,
merecem uma, duas, mil surras. Mulheres mais velhas tornam-se amargas e neuróticas: a maternidade é
uma cruz, a ser carregada à base de
muito sofrimento. As solteiras e independentes caem nas mãos dos
cretinos. As casadas vivem de crise
em crise ou imersas no tédio. Só as
muito boas são felizes.
É isso, em resumo, o que acontece
com as personagens femininas de
"Páginas da Vida". Manoel Carlos,
detrás de sua mise-en-scène suave,
está fazendo uma das novelas mais
conservadoras dos últimos tempos.
Fala-se de sexo. Muito. Com detalhes vívidos. E tanto quem recebe
para isso quanto quem dá de graça
detalhes da intimidade nos depoimentos que encerram os capítulos.
Os populares desavisados (quem
nunca apareceu na TV está sempre
desavisado, não tem dimensão do
que é se mostrar para milhões de
pessoas) ao mesmo tempo em que
avalizam as cabriolas liberalizantes
da ficção conferem um ar de veracidade para o cerco moralizante.
Porque falatório sobre sexo e a exibição de calcinhas, peitos e bundas
formam uma cortina de fumaça
através da qual se entrevê o de sempre: machismo, um tanto de misoginia, corpos femininos brutalizados.
Bossa nova é isso. Desde que as
mulheres fiquem em seu lugar, está
tudo bem. Se saem da linha, alguma
mão pesada se encarrega de fazê-las
voltar. Para o bem de todos, felicidade geral da nação e a paz do Leblon.
Uma perguntinha bem incômoda:
se a mulher que confessou ter tido
um orgasmo se masturbando fosse
loura, linda, rica e jovem, a indignação teria sido do mesmo tamanho?
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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