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LITERATURA
Em "O Beijo do Otário", diretor de "The Commitments" larga câmera para contar história de batedor de carteiras
Alan Parker se rende ao mundo das letras
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Ele tinha apenas sete anos quando entrou no mundo do crime.
Não procurou. A encrenca se jogou na sua frente durante o terremoto de 1906 em San Francisco,
nos Estados Unidos. Ele havia se
perdido da mãe e das duas irmãs,
quando um homem -médico,
talvez- passou seu paletó a ele e
entrou correndo num prédio em
destroços para salvar alguém.
Miserável e agora sem casa, já
que a sua desmoronara, achou no
casaco uma carteira cheia de dinheiro. "Pela minha breve experiência de vida, notei que o problema era que tudo geralmente
pertencia a outra pessoa. (...) Foi
como se tivesse recebido um sinal
do céu. O sinal dizia "otário", e não
senti nem a mais leve pontada de
culpa nem a menor sensação de
estar agindo mal", revela o punguista Thomas Patrick Moran.
Embora pudesse ter sido uma
história real, não passa de uma
"autobiografia" inventada pelo cineasta inglês Alan Parker, 60, em
sua primeira incursão ao romance, "O Beijo do Otário", lançada
no Brasil pela Planeta.
Inspirado por 30 páginas de
prosa, logo após ter terminado
seu filme "Evita", em 1996, Parker
não quis filmar essa idéia. "Por algum motivo inexplicável, achei
que tinha escrito o início de um
romance. Até cheguei a fazer um
roteiro, mas hoje em dia um filme
desses sai muito caro, então creio
que deva permanecer sendo apenas um livro. Mas com certeza daria um grande filme."
Após o pontapé inicial, sua primeira imersão na literatura, contudo, teve de esperar. Parker foi
convidado a fazer outra produção, "As Cinzas de Angela". "Mas
não sem antes dar o título a meu
manuscrito: "O Beijo do Otário"."
A expressão, explicada logo no
início do livro, significa o golpe
mais difícil na profissão de batedor de carteiras: "É tomar alguma
coisa de alguém, cara a cara,
olhando direto no olho da pessoa", escreve. "Achei que era a
melhor metáfora para minha história de amor", reexplica Parker.
A dedicação ao livro só veio durante a produção de outro longa,
"A Vida de David Gale", quando
os sindicatos de Hollywood programaram greves de atores e de
roteiristas. "Meu estúdio não quis
arriscar nos pagar para ficarmos
de braços cruzados, então adiaram o projeto. Frustrado por não
poder dirigir, tirei o manuscrito
da gaveta e escrevi quase toda a
história. Terminei o livro junto
com o filme seguinte."
"O Beijo do Otário" faz um panorama crítico dos EUA em formação, passando pelo período da
Depressão e pela Lei Seca. "Adorei essa América vista pelos olhos
de um ladrão mesquinho. Tentei
retratar a sociedade com sua filosofia de "ladrão que rouba ladrão"
e seu senso de ganância pelo dinheiro. Todos roubam, só que isso é chamado de negócio."
Pulando para a época atual,
com suas guerras e maracutaias
diplomáticas, ele critica a questão
do conflito no Iraque: "Não foram
somente os EUA que se lançaram
à guerra, meu país também. George W. Bush é indiscutivelmente
estúpido, mas Tony Blair não. Ele
é inteligente e tem compaixão,
mas nesse caso específico parece
ter havido uma espécie de mal
funcionamento de seu cérebro.
Essa guerra é um tremendo erro".
E o que é mais divertido: dirigir
ou escrever? "Eu me considero
um diretor de cinema em primeiro lugar, mas adorei escrever o livro -foi um ótimo exercício de
liberação criativa. Num filme, há
cem pessoas comigo, é um processo colaborativo. No livro, havia
eu e o computador. Escrever é
mais prazeroso. Uma filmagem é
uma casa de loucos, cheia de angústia e nervosismo. Mas não vejo
a hora de voltar a um set!", brinca.
Ele diz que o roteiro é seu leme
ao filmar. "Já com o romance, cada imagem, medo, dúvida, olhar e
toque é dado pelos mais difíceis
efeitos especiais: as palavras."
Mesmo tendo achado uma experiência bem satisfatória -"é
bem melhor que lidar com atores
egoístas e executivos estúpidos"-, o mais provável é que sir
Alan Parker retorne para o cinema logo. "Mas ainda estou em dúvida sobre o próximo projeto. Fico angustiado cada vez que começo algo novo, tenho de ter muita
certeza no que vou embarcar."
O BEIJO DO OTÁRIO. Autor: Alan Parker.
Tradutor: Manoel Paulo Ferreira. Editora:
Planeta. Quanto: R$ 42 (314 págs.).
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