São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Oscar Niemeyer"

Livro revê a heróica arquitetura brasileira

LUIZ RECAMÁN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil está avaliando o Brasil. Desenvolvimento, industrialização, modernização social, federação, república são temas que rondam as mesas de debates. A partir de vários ângulos e interesses, discute-se propriamente o Brasil moderno, um mais ou menos reconhecível projeto que ocupou considerável parcela do século que já se foi. Poucas conclusões, muito desentendimento e alguma perplexidade parecem constatar que o desenvolvimentismo -responsável pelo salto industrializador mas também pela iniqüidade social massificada- não conseguiu alavancar o país em direção ao progresso econômico, muito menos social. Enfraquecem as possibilidades reais de desenvolvimento e esvanecem nossas representações coletivas catalisadoras de modernização. Mas algo torna bem específico aquela que, contraditoriamente, mais diretamente esteve associada à aspiração moderna nacional e às estratégias de sua planificação. A obra de Niemeyer é um nó górdio da cultura moderna no Brasil. Ultrapassa-o à medida que, superlativa, parece tomar rumo próprio. Enquanto isso, nossas formas culturais mais originais põem em marcha o anunciado "bye, bye, Brasil", segundo consta, da canção.
Mas o que se passou com a obra desse brasileiro, "o arquiteto com maior número de obras importantes na história da humanidade"? Com certeza sua longevidade e produção ultrapassam aquilo de que foi o mais ilustre construtor, a "arquitetura moderna brasileira". Como explicar tanto êxito se o material social a que veio dar ossatura desapareceu?
O mais novo volume da coleção Folha Explica, "Oscar Niemeyer", de Ricardo Ohtake, procura explicar tal prodígio repassando tópicos da heróica história da arquitetura brasileira que, sinal dos tempos, nem se distinguem mais claramente das interjeições de admiração.
A rapidez e imprecisão dos relatos, digamos, "históricos", dão lugar, na necessária exigüidade e comunicabilidade do texto, a descrições interessadas de algumas obras. Proporções, jogos volumétricos e soluções estruturais intercalam-se a observações sobre o caráter público das obras e as preocupações sociais de seu autor. O "barroquismo" -que fincava pé na tradição brasileira e naturalizava a solução moderna- cede progressivamente lugar à beleza universal em estado puro.
Essa arquitetura não entrou em crise existencial, dispensou sua nave-mãe.
Mas é claro que as coisas não se passam dessa maneira. E os leitores ficam sem qualquer indicação para deslindar o paradoxo: o caráter socializante das formas e espaços criados por Niemeyer (uma "utopia", segundo o autor) e a sociedade injusta (a "realidade", segundo o autor) que, de maneira cada vez mais intensa, viabiliza e propulsiona essa excepcional produção. Não que coubesse a um texto com outras finalidades resolver essa equação, mas, ao reforçar essa disjunção, recorrente na crítica, evidencia a fragilidade dos discursos.
Tanto as condições históricas em que funcionou essa equação moderna como sua operação pela sociedade brasileira estão inscritas nessa obra e em sua magnitude. Os adjetivos de sempre, mais entusiasmados pelo momento comemorativo, nos afastam da verdadeira importância da obra de Niemeyer, que levará ainda algum tempo até ser decifrada.


LUIZ RECAMÁN é professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo na USP, em São Carlos, e da PUC Campinas. É co-autor de "Arquitetura Moderna Brasileira" (Phaidon)


OSCAR NIEMEYER
Autor: Ricardo Ohtake
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 17,90 (112 págs.)
Avaliação: regular



Texto Anterior: Crítica/"Lugares que Não Conheço, Pessoas que Nunca Vi": Trama fragmentada lembra fissuras da paisagem do Rio
Próximo Texto: Audiência opõe Aguinaldo Silva e Ibope
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.