São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

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"Prisão pode macular liberdade de expressão"

Ministro da Cultura diz ser "exagerada" a detenção da jovem que pichou a Bienal

Artistas vêem andar vazio como convite velado a pichadores; fala de curadora sobre "gente da periferia" seria outra provocação


DA REPORTAGEM LOCAL

A prisão prolongada de Caroline Pivetta da Mota, 24, que pichou o andar vazio da Bienal, foi vista pelo diretor teatral José Celso Martinez como eco do regime militar e punição excessiva. "Os agentes culturais são, de repente, os agentes policiais, como eram os militares em 1968, no AI-5", diz o fundador do Oficina.
"Isso é exagerado e pode macular o momento de liberdade de expressão que estamos vivendo", avalia o ministro da Cultura, Juca Ferreira, que ligou para o governador José Serra e o presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa, pedindo uma intervenção a favor de Mota.
"Esses dias na prisão são ruins para a cultura, a Bienal e o Brasil; ela não destruiu um patrimônio público, ela pichou uma sala vazia numa Bienal em que o público foi convidado a interagir", acrescenta Ferreira.
Artistas, críticos e curadores ouvidos pela Folha também enxergam o andar vazio desta Bienal como um convite velado ao ataque dos pichadores.
"A curadoria, quando apresenta um andar vazio, faz uma provocação", diz o ator Ivam Cabral. "Eles têm de arcar com as conseqüências."
"Isso tudo foi o que a curadoria provocou, tem de suportar, tem de saber lidar", concorda o curador Agnaldo Farias. "Se eu fosse a curadora, teria de responder pelo andar vazio, ainda mais quando havia a visão de que isso tirava dos artistas um espaço que lhes é de direito", completa a diretora do Museu da Imagem e do Som e do Paço das Artes, Daniela Bousso.
Outra suposta provocação, esta mais direta, foi a fala da curadora Ana Paula Cohen na entrevista coletiva que antecedeu a mostra, sobre a ameaça de um possível ataque de pichadores. "Estão convocando gente da periferia da cidade para fazer isso, e essas pessoas não sabem no que estão se metendo."
"O discurso da curadoria era um pouco estranho. Dizer "gente da periferia" é um grande engano", afirma o curador Cauê Alves, um dos signatários do manifesto que circula na internet a favor da soltura de Mota.

Silêncio
"A penalização exacerbada desta jovem é indecente", opina o videoartista Maurício Dias, em e-mail que divulgou. "Muito mais grave do que o crime de uma jovem pichadora são os de colarinho branco, de corrupção da já velha direção da própria Fundação Bienal."
Na opinião de outros artistas e curadores, a omissão da Bienal sacrificou a oportunidade de transformar o episódio em debate. "Acho lamentável que não tenha havido um diálogo", afirma Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal. "Será que essa discussão não interessaria mais do que a série de debates que eles fizeram durante a Bienal, que não passava de uma conversa entre amigos?", questiona Daniela Bousso.
Outros artistas e galeristas reconhecem, no entanto, que houve um ato de vandalismo, passível de punição. "Desconsidero que isso seja expressão artística", afirma a artista Adriana Varejão. "Esses pichadores exageram no argumento."
"Quem depreda patrimônio tem de ser punido, mas tem o lado injusto de que ela certamente virou um bode expiatório", afirma a galerista Márcia Fortes. (LUCAS NEVES e SILAS MARTÍ)


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