São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

TV faz papel de fada madrinha

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Um carro novo, um dia de compras, uma casa. Quem pode te dar tudo isso? A televisão, que funciona como fada madrinha durante os fins de semana, dedicados, em boa parte, a contos de fadas contemporâneos. Entre as histórias da "carochinha" apresentadas, estão desde dramas sérios, como pessoas pobres que perderam as casas em um incêndio, até coisas mais prosaicas, como o desejo de ter um bom corte de cabelo.
Nada mais óbvio em um mundo de consumo. Se aparecesse um gênio da lâmpada e perguntasse o que você queria, qual seria sua resposta? Uma festa com os amigos ou um carro novo? A segunda resposta é óbvia. Ainda mais para um público formado por pessoas sem acesso aos prazeres que encontramos em shoppings e concessionárias. Se o cara da novela tem um carrão, também quero.
A barra fica mais pesada no caso de sonhos mais "necessários", como uma casa para dormir, depois que a do telespectador pegou fogo e não se tem dinheiro para pagar a reforma. Ou realizar o "sonho" de deixar de viver em um "puxadinho" e ter um quarto só para si mesmo. Aí, os programas contos de fadas se tornam apoteóticos. O clima é de suspense. "Será que a casa vai ficar pronta a tempo?" Assistimos a pessoas chorando enquanto narram seus dramas e até a uma reconstituição do incêndio, feita por atores.
As lágrimas são ainda mais abundantes nos quadros que levam imigrantes para ver seus parentes, que não encontram há anos. Vemos pessoas andando pela primeira vez de avião e entrando, em clima de suspense e choro real, na casa onde não pisam faz tempo. Os programas entram sem bater a porta na intimidade de mães que não veem filhas há anos e gritam: "Ai! Meu Deus". O caráter íntimo dos encontros não é respeitado. Pelo contrário, é exibido escandalosamente.
Mais impressionante é ver o sucesso dos príncipes (apresentadores) dos programas perto das pessoas comuns. "Só de estar perto de você estou melhor, sua família é linda", diz uma senhora que espera ter seu carro reformado por Luciano Huck no quadro "Lata Velha".
Embalados por trilha dramática, eles se esforçam para chorar com os contemplados pelo "milagre". E emitem palavras de autoajuda, antes de partir e acabar com os dias de sonho vividos pelo agraciado. "Antes de ir, vou te deixar esse cristal com uma foto nossa e a inscrição: "Essa casa é a prova de que seus sonhos podem ser realizados'", diz Gugu, ao se despedir de uma família. É a miséria brasileira na TV dando ibope em todos os finais de semana.


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