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ANÁLISE
TV faz papel de fada madrinha
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
Um carro novo, um dia de
compras, uma casa. Quem pode
te dar tudo isso? A televisão,
que funciona como fada madrinha durante os fins de semana,
dedicados, em boa parte, a contos de fadas contemporâneos.
Entre as histórias da "carochinha" apresentadas, estão desde
dramas sérios, como pessoas
pobres que perderam as casas
em um incêndio, até coisas
mais prosaicas, como o desejo
de ter um bom corte de cabelo.
Nada mais óbvio em um
mundo de consumo. Se aparecesse um gênio da lâmpada e
perguntasse o que você queria,
qual seria sua resposta? Uma
festa com os amigos ou um carro novo? A segunda resposta é
óbvia. Ainda mais para um público formado por pessoas sem
acesso aos prazeres que encontramos em shoppings e concessionárias. Se o cara da novela
tem um carrão, também quero.
A barra fica mais pesada no
caso de sonhos mais "necessários", como uma casa para dormir, depois que a do telespectador pegou fogo e não se tem dinheiro para pagar a reforma.
Ou realizar o "sonho" de deixar
de viver em um "puxadinho" e
ter um quarto só para si mesmo. Aí, os programas contos de
fadas se tornam apoteóticos. O
clima é de suspense. "Será que a
casa vai ficar pronta a tempo?"
Assistimos a pessoas chorando
enquanto narram seus dramas
e até a uma reconstituição do
incêndio, feita por atores.
As lágrimas são ainda mais
abundantes nos quadros que
levam imigrantes para ver seus
parentes, que não encontram
há anos. Vemos pessoas andando pela primeira vez de avião e
entrando, em clima de suspense e choro real, na casa onde
não pisam faz tempo. Os programas entram sem bater a
porta na intimidade de mães
que não veem filhas há anos e
gritam: "Ai! Meu Deus". O caráter íntimo dos encontros não é
respeitado. Pelo contrário, é
exibido escandalosamente.
Mais impressionante é ver o
sucesso dos príncipes (apresentadores) dos programas
perto das pessoas comuns. "Só
de estar perto de você estou
melhor, sua família é linda", diz
uma senhora que espera ter seu
carro reformado por Luciano
Huck no quadro "Lata Velha".
Embalados por trilha dramática, eles se esforçam para chorar com os contemplados pelo
"milagre". E emitem palavras
de autoajuda, antes de partir e
acabar com os dias de sonho vividos pelo agraciado. "Antes de
ir, vou te deixar esse cristal com
uma foto nossa e a inscrição:
"Essa casa é a prova de que seus
sonhos podem ser realizados'",
diz Gugu, ao se despedir de uma
família. É a miséria brasileira
na TV dando ibope em todos os
finais de semana.
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