São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

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Atala quer um restaurante "brasileirão"

O mais reconhecido chef do país, que fez fama no D.O.M., pretende usar referências da cozinha colonial em nova casa

Em defesa da cozinha convivial, peças serão levadas inteiras à mesa; francês Alain Poletto cuidará da cozinha


JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma conversa entre vizinhos deu o pontapé inicial neste que desponta como um projeto ambicioso, na melhor acepção da palavra, de Alex Atala: um restaurante "brasileirão" que remete à cozinha colonial.
"Está na hora. Este restaurante tem de ser brasileiro. Não tem nome, não tem nada pronto, a não ser uma idéia", diz Alex Atala, 39, chef do D.O.M., que apareceu no último ano na lista da revista britânica "Restaurant" como um dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Ao mesmo tempo em que vê na diversidade gastronômica uma das maiores forças de São Paulo ("É incrível poder almoçar macarrão e jantar sushi"), Atala diz sentir falta de "um brasileirão, um lugar grande e bacana tratando cozinha brasileira como tem de ser tratada".
"Eu acho incrível uma cidade como São Paulo ter grandes restaurantes italianos, japoneses, franceses e churrascarias e não ter um brasileiro de verdade", afirma Atala. "Tem o Tordesilhas, e eu ajoelho para a Mara Salles. Tem o Brasil a Gosto, que eu acho incrível. A Ana Luiza [Trajano] é uma menina doce, o trabalho de pesquisa dela é irretocável. A comida é boa, mas, ainda assim, não estamos tratando de um grande restaurante de comida brasileira. Sou fã das duas, mas não dá para comparar ao Fasano, ao Figueira [Rubaiyat], ao Shintori, a restaurantes suntuosos."

Um lugar de convivas
A menos de 50 metros do D.O.M, na esquina das ruas Barão de Capanema e Padre João Manuel, a nova casa vai ser instalada no prédio antes ocupado pela rotisserie Paola di Verona e pelo La Taverna. As obras começam em março, e a inauguração está prevista para junho.
Da ambientação ao cardápio, tudo deve ter uma unidade que aluda à época do Brasil colônia, a começar pelo modo de servir: levar à mesa um peixe, um frango ou um porquinho... inteiro.
"Devem aparecer receitas efetivamente brasileiras, como, por exemplo, um lombinho de porco inteiro, como a gente faz em casa; um frango assado inteiro, um leitão à pururuca. Não estou afirmando que o cardápio vá ser composto disso. É para dar um exemplo", explica. "Vamos resgatar a decupagem, que era aquela coisa de levar a peça inteira à mesa e fatiá-la na frente do cliente. O importante é recuperar esse charme."
Implícito à proposta de oferecer comida como se fazia nos tempos da colônia, está o conceito do partilhar, de ser mais conviva e menos cliente.
"Quero que as pessoas divirtam-se mais do que comam, ou comam enquanto se divertem, ou divirtam-se enquanto comem, como eram aqueles almoços de fazenda."
A nova casa manterá a estrutura clássica de um restaurante, com maître, sommelier, garçom e commin (ajudante do garçom), mas incorporará um um velho personagem da restauração clássica. "Não vou ter o "captain", que era uma espécie de mini-maître, mas algo como tínhamos na época da colonização. Provavelmente, as mesas serão comandadas por uma senhora típica brasileira, dando-nos uma moringa d'água ou servindo um pouco de farofa."
Não espere, porém, uma típica casa de fazenda. "Eu tenho um estilo moderno, seria estranho chegar num lugar com uma outra cara. Não, não é isso."

A parceria com Poletto
Com aulas em festivais internacionais de gastronomia programadas até o final do ano, Atala diz que a cozinha já lhe deu mais do que ele esperava. "Não imaginei que ia chegar aqui. Sou um patinho feio, né?", diz. "Nos últimos anos, tenho conseguido um bom resultado profissional e tenho tentado não desfocar do D.O.M."
Assim, não será Atala, mas o chef francês Alain Poletto (La Taverna), quem assumirá a cozinha da nova casa. "Não pretendo trabalhar neste outro restaurante. Eu sou um artesão e o D.O.M. é o meu ateliê."
A atual fase de trabalho com Poletto, que tem acompanhado a operação do D.O.M. e a quem Atala não poupa elogios, é definida como uma lua-de-mel.
"Estou não só impressionado como aprendendo com ele. Estamos muito focados na técnica. O Alain, com o conhecimento que tem da cozinha a vácuo, e eu, com técnicas complementares à dele, como o cozimento em baixas temperaturas."

Do aclamar para o afirmar
Num processo que parece acompanhar a trajetória e o processo de evolução de Atala na cozinha, um novo livro está a caminho para dar, como ele próprio diz, uma "amarradinha final".
"É a seqüência natural do primeiro ["Por Uma Gastronomia Brasileira']. O outro clamava por uma gastronomia brasileira. Este é uma coisa mais afirmativa, porque já existe gastronomia brasileira e ela já é reconhecida pelo mundo."


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