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São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 2003

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Metafísica dos Xamãs

Divulgação
Uma das 30 imagens que Cláudia Andujar pendurou na Fundação Cartier, em Paris, como parte da exposição "Yanomami, o Espírito da Floresta", que a homenageia



A cultura ianomâmi é retratada por artistas contemporâneos em Paris, em "Yanomami, o Espírito da Floresta"


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Tony Oursler cria seu passeio de sonho pela floresta com vídeos; abaixo, Adriana Varejão optou pelo trabalho artesanal para a exposição


FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

"A posição da arte em nosso século tende totalmente para o metafísico", escreveu Hélio Oiticica, em 1959. Pois a Fundação Cartier, em Paris, apresenta, a partir de hoje, um encontro entre a arte contemporânea e a metafísica dos xamãs ianomâmis, que vivem na Amazônia, na mostra "Yanomami, o Espírito da Floresta".
Contando com a participação de 13 artistas contemporâneos, a exposição inicia-se com a homenagem, mais que justa, à fotógrafa Cláudia Andujar que, desde 71, trabalha artística e politicamente com os ianomâmis.
"Conheci o trabalho de Andujar há quatro anos e é uma obra extraordinária, injustamente desconhecida na Europa e pouco vista mesmo no Brasil", disse Hervé Chandè, diretor da Fundação Cartier e um dos curadores da mostra.
Trinta imagens de Andujar, produzidas entre 1974 e 2002, dispostas em painéis pendentes do teto, simulam o caminhar irregular por uma floresta. Estão lá as marcas de uma cultura que a fotógrafa registra há 30 anos.
"Sempre busquei captar a essência do humano. Quando cheguei nas tribos ianomâmis, graças a uma bolsa da Fundação Guggenheim, isso mudou a minha vida", afirma Cláudia Andujar em Paris.
Com os ianomâmis, a fotógrafa Andujar agregou à atividade artística a militância política, sendo uma das ativistas por seus direitos, como a demarcação de suas terras, que ocorreu apenas no início dos anos 90.
Nesse percurso, ela encontrou o antropólogo francês Bruce Albert, que também tornou-se ativista e, agora, o outro curador da mostra em Paris.
"Cheguei, em 74, com uma expectativa muito idealizada, mas percebi que caí no meio do inferno. Era o período da construção da estrada Perimetral, os índios estavam doentes e tinham suas terras invadidas", conta Albert.
Na exposição, o respeito pela cultura ianomâmi foi cuidado por especialistas, o que ajudou a seduzir os demais artistas. "Quando a Fundação me convidou, tive muitas dúvidas. Ao conversar com Albert, percebi que era uma mostra antiimperialista, não uma apelação alegórica, e aceitei o desafio", disse Tony Oursler.
Sua obra é uma das mais impactantes da exposição: em bolas de 1,8 metro de diâmetro, são projetados olhos e imagens dos ianomâmis captadas em vídeo. "Em minha fantasia, caminhar por elas é como andar na floresta", afirma Oursler, um dos mais importantes artistas norte-americanos contemporâneos.
Aliás, não faltam grandes nomes da arte contemporânea internacional na exposição. É o caso do também norte-americano Gary Hill, que, como os outros artistas, passou um período numa tribo ianomâmi, sendo o único a experimentar a "yacoana", o alucinógeno usado pelos xamãs. A impressão deve ter sido forte, pois Hill apresenta-se a si mesmo num vídeo, de ponta-cabeça e dizendo frases incompreensíveis.

Trabalho artesanal
Há ainda a carioca Adriana Varejão, com quatro trabalhos de cunho bastante artesanal. "Frente a tanto registro tecnológico, da fotografia ao vídeo, decidi fazer obras manuais", conta a artista, que apresenta três desenhos e uma pintura.
Um dos desenhos é uma reconstituição da planta alucinógena, como se fosse feita no século 17. Em outro, a artista retrata um índio de ponta-cabeça como se estivesse disposto no célebre desenho de Leonardo da Vinci sobre a escala humana. Em 2005, Varejão ocupará toda a Fundação Cartier numa mostra individual.
Da França, participa o fotógrafo Raymond Depardon, com o filme "Os Sapatos e os Xamãs". "Depardon é o grande artista especializado em África, especialmente nos desertos, e o convidamos como uma provocação", diz o curador Albert.
Uma boa surpresa é o japonês Naoki Takizawa, designer do costureiro Issey Miyake. Sua obra reflete, a partir de dezenas de pequenos espelhos, projeções coletadas entre os ianomâmis que se tornam abstratas como os sonhos.
Já o alemão Wolfgang Stähle, pioneiro da arte multimídia, apresenta três vídeos sobre a paisagem ianomâmi, dois deles nos quais os frames são desacelerados, dando a impressão de uma outra dimensão temporal.
Para a sorte do Brasil, ao que tudo indica, não é apenas Paris que irá acolher a mostra. "Estamos tentando não só levar ao Rio e a São Paulo, mas também aos Estados Unidos", promete Chandè.

YANOMAMI, O ESPÍRITO DA FLORESTA. Mostra com 13 artistas contemporâneos. Curadoria: Bruce Albert e Hervé Chandè. Onde: Fundação Cartier pela Arte Contemporânea (boulevard Raspail, 261, Paris, tel. 0/xx/ 33/1/4218-5650). Quando: até 12/10. Na internet: www.fondation.cartier.fr.


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